Em setembro de 2020, o Magazine Luiza lançou um programa de trainee exclusivo para pessoas negras. A decisão era clara, estratégica e legítima. Baseava-se em ações afirmativas, respaldadas pela Constituição e por jurisprudência consolidada do STF. Internamente, o jurídico tinha segurança. A alta liderança estava alinhada. O RH estruturou tudo com critérios técnicos. Tudo certo.
Mas o que veio depois não foi calma. Foi barulho.
A decisão correta — no mérito, na intenção e na forma legal — virou manchete, trending topic e pauta de processo judicial.
A empresa, que buscava justiça histórica, foi acusada de racismo reverso.
A ação, pensada para abrir portas, foi lida por muitos como fechamento.
A pergunta ética que emerge aqui não é se a decisão estava certa. Estava.
A pergunta ética é outra:
Por que uma decisão certa, e até admirável, gerou tanto ruído?
A resposta é incômoda: porque não basta estar certo
Decidir bem, no papel, não resolve o dilema do contexto.
E agir com coragem, sem cuidar da percepção, pode transformar um gesto de justiça em crise de reputação.
Não porque o mundo não esteja preparado, mas porque, em muitos casos, a narrativa dominante ainda não foi disputada.
O Magalu decidiu pela equidade e comunicou como se todos já tivessem entendido o conceito de justiça histórica.
E não tinham.
Enquanto internamente havia convicção, externamente havia ruído.
Enquanto dentro se falava em ação afirmativa, fora se gritava “discriminação”.
Não era ignorância pura. Era falta de disputa pelo sentido.
A lição para lideranças éticas
Esse caso não é sobre cotas.
É sobre o efeito colateral de decisões corretas em contextos mal preparados.
Toda empresa, mais cedo ou mais tarde, vai enfrentar o dilema da legitimidade:
Estar certa juridicamente, estar certa moralmente… e ainda assim não conseguir convencer.
Por quê?
Porque as decisões, no mundo real, não valem só pelo conteúdo.
Elas valem pelo sentido que produzem.
E sentido não nasce do jurídico.
Sentido nasce da escuta, da presença, da articulação, da escolha cuidadosa de quem fala, quando fala e como fala.
O Magazine Luiza teve coragem. E não voltou atrás, o que é digno de reconhecimento.
Mas pagou o preço da ruptura narrativa e talvez pudesse ter pago menos, se tivesse preparado o terreno.
O que isso nos ensina sobre ética aplicada
Não basta agir certo.
É preciso cuidar para que o certo seja compreendido como certo.
E isso exige algo que os manuais de compliance não ensinam: legitimidade simbólica.
- Decisões éticas precisam de base legal, mas também de base emocional.
- Precisam de argumento, mas também de linguagem.
- Precisam de propósito, mas também de timing.
O caso Magalu mostra que não existe blindagem ética sem disputa de narrativa.
E no seu ambiente?
Quantas vezes você viu uma decisão bem-intencionada gerar ruído?
Quantas vezes já tentou “fazer o certo”, e se viu tendo que explicar o óbvio para quem entendeu tudo errado?
A ética, ao contrário do que dizem os códigos de conduta, não termina na decisão.
Ela começa quando a decisão precisa ser sustentada no mundo real, com suas distorções, seus medos e suas lógicas próprias.
Toda decisão ética tem um custo.
Mas esse custo pode ser estratégico ou fruto de descuido.
O Magazine Luiza escolheu pagar o custo da ousadia.
Outras empresas seguem preferindo o custo do silêncio.
A pergunta que fica pra quem lidera é simples, mas definitiva:
Sua decisão é certa… mas é compreendida como tal por quem vai viver com ela?
Se a resposta for “não sei”, então ainda falta um pedaço de ética nessa equação.
E sobre a Magalu?
Sua decisão, corretamente histórica, gerou barulho, resistência, ruído, como toda ruptura que importa.
As críticas ficaram por um tempo.
Mas, aos poucos, foram sendo engolidas pela força do gesto.
O bem foi vencendo o barulho.
E deixou, no rastro da coragem, uma centelha de esperança real para um grupo que sempre teve tudo, menos isso.
Parabéns, @Magalu. Parabéns, @Luiza Trajano.
Nesse caso, vocês não só acertaram, vocês elevaram o padrão.
Merecem aplausos. De pé.



