A Ética como Fundamento da Governança Corporativa

Por: Dercio Carvalhêda 14 de fevereiro de 2025

A governança corporativa baseia-se em princípios que garantem a gestão transparente, equitativa e responsável das organizações. Só que tudo tem uma base, um alicerce. E o alicerce para cada um dos princípios da governança corporativa é a ética. Sem ética, a governança é apenas um conjunto de regras vazias, incapazes de gerar valor para as organizações.

Durante a minha primeira aula na formação como conselheiro no Board Academy, ficou evidente que a ética não é um conceito abstrato ou um discurso idealista. A ética se traduz em escolhas diárias que levam a decisões empresariais que podem construir ou destruir reputações e num compromisso prático com as melhores práticas de governança.

Ética é o conjunto de princípios e valores que orientam a conduta humana (exemplo: honestidade, justiça, respeito). É universal, independe da cultura; e atemporal, para todas as épocas.

Vamos explorar como a ética se conecta diretamente aos cinco princípios essenciais da governança corporativa. Os exemplos citados abaixo são públicos e alguns deles ainda envolvem disputas judiciais:

1. Integridade: a ética como identidade da organização

Praticar e promover uma cultura ética significa garantir que decisões sejam tomadas sem influência de conflitos de interesse e que há coerência entre discurso e ação. A integridade não se mede pelo código de conduta escrito, mas pela forma como os líderes tomam decisões, pelo exemplo que dão e como os stakeholders agem. Organizações com uma base ética sólida evitam escândalos e ganham credibilidade no mercado.

Exemplo de integridade: um CEO que se recusa a aprovar contratos com fornecedores que oferecem suborno, mesmo que isso signifique perder uma oportunidade lucrativa no curto prazo.

Exemplo de falta de integridade: O caso da Enron, que colapsou após a descoberta de fraudes contábeis bilionárias, resultou na falência da empresa e na criação da Lei Sarbanes-Oxley, por exemplo.

2. Transparência: a ética na comunicação e na gestão

Disponibilizar informações relevantes de maneira clara, coerente e verdadeira é um compromisso ético. Empresas que ocultam ou manipulam dados para favorecer determinados interesses, cedo ou tarde perdem a confiança do mercado. A transparência é um princípio essencial para investidores, colaboradores e sociedade, pois promove um ambiente de confiança e previsibilidade.

Exemplo de transparência: uma empresa que divulga publicamente um erro contábil significativo em suas demonstrações financeiras, explicando as medidas corretivas adotadas.

Exemplo de falta de transparência: O desastre de Brumadinho, envolvendo a Vale, gerou questionamentos sobre os protocolos de segurança e transparência na gestão de riscos ambientais.

3. Equidade: a ética na relação com stakeholders

Tratar todas as partes interessadas de maneira justa é um princípio ético fundamental. A equidade exige que as decisões organizacionais levem em conta direitos, deveres e expectativas de todos. É tratar os iguais de forma igual; e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade. Empresas que promovem diversidade e inclusão estão alinhadas com esse princípio, garantindo oportunidades reais e um ambiente corporativo mais justo.

Exemplo de Equidade: uma empresa que implementa um programa de aceleração de carreira para grupos historicamente sub-representados na alta liderança, como mulheres negras, garantindo que tenham acesso a mentoria e oportunidades para reduzir a desigualdade estrutural no ambiente corporativo. Um exemplo notável foi a iniciativa da Magazine Luiza, que lançou um programa de trainees voltado exclusivamente para pessoas negras, com o objetivo de aumentar a diversidade em sua liderança.

Exemplo de Falta de Equidade: uma empresa que oferece os mesmos benefícios e oportunidades de crescimento a todos os funcionários, sem considerar que alguns enfrentam barreiras estruturais, como mães solo que precisam de horários mais flexíveis ou profissionais de baixa renda que residem longe e, por isso, não podem participar dessas capacitações.

4. Responsabilização (accountability): a ética na prestação de contas

A responsabilidade corporativa é mais do que um compromisso com resultados financeiros. Empresas éticas reconhecem que suas decisões impactam a todos: acionistas, colaboradores, fornecedores, clientes e a sociedade. Por isso devem assumir responsabilidades por eventuais erros e trabalhar para corrigi-los, em vez de simplesmente transferir a culpa para terceiros.

Exemplo de Responsabilização: um conselho de administração que assume a responsabilidade por falhas estratégicas que levaram a prejuízos financeiros, e implementam mudanças estruturais para evitar novos erros.

Exemplo de Falta de Responsabilização: as inconsistências contábeis descobertas na Americanas geraram questionamentos sobre a governança corporativa da empresa.

5. Sustentabilidade: a ética na geração de valor de longo prazo

A ética também se reflete na sustentabilidade dos negócios. Não basta focar em resultados de curto prazo; é preciso garantir que a empresa tenha uma atuação que beneficie tanto o meio ambiente quanto a sociedade. Modelos de negócio sustentáveis são aqueles que equacionam o desempenho econômico com a responsabilidade social e ambiental, reconhecendo a interdependência entre empresa e sociedade.

Exemplo de Sustentabilidade: uma indústria que adota processos produtivos menos poluentes, reduz sua pegada ambiental e investe em fontes de energia renovável para suas operações.

Exemplo de Falta de Sustentabilidade: de acordo com investigações do Ministério Público, denúncias sobre trabalho análogo à escravidão em fornecedores terceirizados da Zara levaram a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

A ética como diferencial competitivo

A Board Academy reforça que a ética é um diferencial competitivo. Instituições com uma base ética forte são mais resilientes, têm uma governança sólida e constroem um legado que transcende as gerações. Governar uma organização com ética significa a sua sobrevivência, seu crescimento sustentável e sua relevância no mercado.

Os princípios de governança corporativa são norteadores, mas é a ética quem os orienta. Afinal, não basta seguir regras; é preciso estar comprometido com aquilo que é certo, COM A ÉTICA.

Publicado em: 14 de fevereiro de 2025 por