— Onde a ética entra nas decisões difíceis?
É curioso como essa pergunta, que deveria ser simples, quase nunca recebe uma resposta direta.
Há os que desviam o olhar. Os que riem com certo desdém, como se fosse uma pergunta inocente demais para o mundo real. Os mais preparados citam o código de conduta, o canal de denúncias, os treinamentos recorrentes, mas, no fundo, sabem que isso não responde o que foi perguntado.
E por quê? Porque não é sobre estrutura. É sobre escolha. E mais: é o que garante a perenidade da empresa.
A ética, quando é real, não está no capítulo dois do manual. Não está na frase de efeito pendurada na parede da recepção. Não está na declaração de valor institucional. Ela só se revela quando algo está em jogo. Quando há risco de perder. Quando há uma pressão concreta para fazer diferente. E, ainda assim, alguém escolhe não ceder, não decidir seguindo o esperado pelos demais.
A ética aparece, de fato, quando ela é a decisão mais improvável da mesa e mesmo assim é tomada. Quando o caminho mais curto é o mais perigoso e alguém diz: “a gente não vai por ali”. Quando o cliente estratégico pede uma exceção, o resultado do trimestre aperta, o contrato bilionário exige silêncio… e alguém decide sustentar um valor.
Essas decisões não testam competência. Testam convicção. E mais: testam coerência, essa virtude silenciosa que não precisa ser aplaudida, mas que sustenta reputações de pessoais e instituições, por décadas.
Cumprir regras não é comportamento ético. É um comportamento normativo, seguindo-se o que a lei determina e o que a regulação esclarece. Como direção, a ética guia para um comportamento mais natural e menos robótico, um que começa no livre-arbítrio, se coaduna com a moral social-corporativa. Um que deve seguir a integridade: comportamento humano (e empresarial) mais próximo da direção dada pela ética.
Empresas que operam apenas pela norma não são empresas éticas. São empresas legalistas. E legalismo sem integridade vira engenharia do discurso: tudo parece correto, mas seria mesmo 100% confiável? E, nesse ambiente, qualquer crise é suficiente para desmoronar uma cultura inteira, porque ela nunca foi sólida. Só parecia.
A decisão ética (ou íntegra, na verdade), por vezes, não é a mais confortável. Ela pode trazer perda, incompreensão, conflito. Pode frustrar o mercado, gerar ruído, exigir explicação. Mas traz também uma coisa que nenhum relatório de sustentabilidade consegue fabricar: tranquilidade.
E não falo de um alívio espiritual. Falo de um tipo de paz racional, austera, firme. Aquela que vem quando você sabe que não precisará construir uma narrativa paralela para justificar o que fez. Que não terá que manipular o discurso para manter coerência aparente. Que não precisará esconder uma escolha atrás de uma frase de efeito.
Decisões realmente íntegras não exigem storytelling. Elas se sustentam per si.
E isso, no mundo corporativo, é poder. Um poder silencioso, mas absolutamente perceptível. Tanto pelos que lideram quanto pelos que observam. Tanto pelo mercado quanto pelos talentos que decidem ficar ou sair. E já adianto: empresas que adotam decisões íntegras retém os melhores talentos e, mais que isso, outros querem se juntar.
A grande fragilidade de muitas empresas não está nos erros que cometem, mas na falta de critério ético quando o erro aparece, ou seja, ausência de coerência. A resposta é quase sempre defensiva, jurídica, orientada a mitigar dano, mas nunca a restaurar coerência. E quando isso se torna padrão, a cultura se transforma num ambiente de medo. Ninguém decide com liberdade. Todos decidem com cautela, não para proteger a empresa, mas para proteger a si mesmos dela.
Ética, ao contrário, cria liberdade. A decisão difícil se torna possível porque há direção. E quando há direção, o medo cede espaço à integridade. E integridade, mesmo que exija custo, entrega valor.
Empresas que fazem o certo quando tudo favorece pode ou não serem empresas íntegras. Podem ser, por exemplo, empresas oportunistas com boa comunicação. A integridade só se comprova quando tudo grita por atalho e este não é escolhido.
E a liderança, nesses momentos, é o fator decisivo. Porque liderar, no fim, é isso: tomar decisões difíceis quando ninguém quer decidir e ainda assim bancar as consequências. Outra: essas consequências serão sempre mais leves que as enfrentadas pelas que resolvem seguir outra seara.
Se a liderança não consegue mostrar onde a ética entra, é bem possível que esteja apenas administrando o risco, não sustentando um valor.
Não existe empresa íntegra sem liderança corajosa. E não existe liderança corajosa sem convicção sustentada.
Por isso, volto à pergunta, não como provocação, mas como critério real de maturidade:
Na sua empresa, onde a ética entra nas decisões difíceis?
Se você precisar pensar demais para responder, talvez seja porque ela ainda não esteja entrando.
E aí, nenhum código, nenhum treinamento e nenhum discurso vai dar conta. Porque quando a ética entra, ela não precisa ser citada. Ela está na decisão. E na coragem de sustentá-la.



