No meio jurídico e corporativo, dados, regulamentos e normas são fundamentais. No entanto, transformar esses dados em informação é de altíssima importância. E mais, a maneira como essas informações são comunicadas é o que determina o impacto real que elas terão.
O storytelling, a arte de contar histórias, é uma ferramenta estratégica que pode transformar a atuação em conselhos em algo mais acessível, envolvente e eficaz.
A comunicação persuasiva não depende apenas de argumentos técnicos. No final das contas, são as histórias bem contadas que realmente fazem as pessoas prestarem atenção e se engajarem.
O storytelling deve ser aplicado para influenciar decisões em reuniões de conselho, especialmente quando há opiniões divergentes sobre determinada situação. E note: o objetivo é influenciar, nunca para manipular. Manipular é antiético, influenciar é uma skill ética e poderosíssima.
Mas qual a diferença entre manipular e influenciar? A principal diferença entre influenciar e manipular está na intenção, transparência e no respeito pela autonomia do outro.
Manipular, em poucas palavras, pode ser definida como uma ação egoísta que visa obter vantagem pessoal. Oculta informações ou distorce fatos para induzir a pessoa a tomar uma decisão sem perceber que está conduzida. Isso ocorre porque o manipulador explora as emoções de forma enganosa, com fatos distorcidos.
Já influenciar é uma ação positiva que busca persuadir de forma ética e legítima, com clareza e honestidade de comunicação, respeitando o que a outra pessoa decide com base nas informações claras; pode até usar emoções, mas nunca distorce a realidade.
Bem diferente, não é? Manipulação é antiético e nunca deve ser usada em nenhum momento; já a influência, a persuasão, são éticas e peças-chaves numa reunião de conselho.
O poder do storytelling na tomada de decisões em conselhos
A tomada de decisões em um conselho de administração envolve múltiplos pontos de vista, cada um fundamentado em diferentes experiências e perspectivas. Quando há divergências, a apresentação fria de dados, muitas vezes, não é suficiente para alinhar todos os conselheiros. É nesse contexto que o storytelling se torna uma ferramenta poderosa para convencer, persuadir, influenciar.
1. Transformar dados em narrativas impactantes
Os conselhos analisam volumes massivos de informações financeiras, riscos operacionais e estratégias empresariais. E normalmente, como cada conselheiro tem a sua experiência, a sua área de especialidade e a sua expectativa própria, números isolados não costumam gerar conexão. E aí vem um problema: a decisão do conselho é uma, ou seja, um dos conselheiros pode até discordar, mas a partir do momento em que o conselho firmar posição, esse conselheiro deverá defender com todos os argumentos possíveis a decisão do colegiado.
Assim, contar uma história em torno desses dados pode:
- Criar um senso de urgência e relevância.
- Facilitar a compreensão dos impactos das decisões.
- Engajar emocionalmente os conselheiros, tornando o tema mais palpável.
- Demonstrar de forma cabal a relação causa-consequência de cada uma das possíveis soluções.
Exemplo prático: em vez de apenas apresentar um relatório financeiro sobre queda de receita, pode-se contar a história de um cliente-chave que deixou de contratar os serviços da empresa devido a um problema específico, destacando o impacto real dessa perda e como isso reflete uma tendência maior. Nesse cenário, os dados falam por si.
Após construir uma narrativa sólida, o próximo passo é garantir que essa história gere o impacto desejado nos stakeholders. É aqui que entra o engajamento estratégico.
2. Conectar os conselheiros ao propósito da empresa
Cada membro do conselho tem um background diferente e pode ter visões distintas. Criar narrativas que reforcem a missão e os valores da empresa relembra e ajuda a alinhar todos em torno de um objetivo comum.
Exemplo prático: se houver um debate sobre cortar investimentos em inovação para reduzir custos no curto prazo, pode-se recorrer à história de uma empresa concorrente que perdeu relevância no mercado ao adotar essa estratégia. Isso pode ser mais convincente do que apenas apresentar projeções financeiras e gráficos em slides.
Divergências são naturais em conselhos, mas muitas vezes são travadas em argumentos técnicos, nos quais cada conselheiro apoia a sua visão e entendimento. Introduzir uma história bem construída pode ajudar a destravar impasses, porque apresenta um problema sob uma nova perspectiva.
Exemplo prático: em um debate sobre ESG (governança ambiental, social e corporativa), um conselheiro pode ser cético sobre os custos da implementação naquele exato momento. Compartilhar um caso de uma empresa, concorrente ou não, que se beneficiou financeiramente ao adotar práticas ESG, apesar dos custos iniciais e da dificuldade de fluxo de caixa naquele momento dela, pode ser decisivo para mudar a percepção.
Os três pilares do storytelling para conselheiros e líderes
Agora, como colocar isso em prática? Não é tão difícil. O storytelling eficaz se sustenta em três pilares essenciais, que podem transformar a forma como um conselho toma decisões:
Pilar 1: construir uma narrativa sólida
- Contextualização: toda história precisa de um início claro que defina o cenário e a importância do tema. As histórias devem ser baseadas em fatos ou, acaso não haja um real, cenários hipotéticos possíveis, mas bem estruturados. Deixar claro que é um cenário hipotético – isso é ética.
- Desenvolvimento lógico: a narrativa deve ter progressão, conectando os fatos e destacando desafios enfrentados. Nessa parte a relação causa-consequência lógica é fundamental. Tem que se lembrar que o conselho olha para o futuro e o exercício de “futurologia” deve ser factível e fundamentado.
- Personagens e impacto: inserir um elemento humano torna a história mais envolvente. Isso pode ser um cliente fictício, um funcionário ou, de preferência, um exemplo real de mercado. Se for algo fictício, deixar claro que o é.
- Conclusão com direcionamento: o desfecho deve ser claro, demonstrando as possíveis consequências de cada decisão pensada e sugerindo caminhos estratégicos. Interessante que, nesse ponto, já vi mais de uma vez uma pessoa que defendia a decisão x, mudar para a y baseada nos próprios argumentos dela e sem ninguém falar nada.
Pilar 2: engajar os stakeholders com narrativas estratégicas
- Criar conexão emocional: o storytelling eficaz informa e desperta sentimentos e envolvimento, porque envolve a todos de maneira certeira.
- Apresentar dilemas reais: histórias com tomadas de decisão difíceis são mais eficazes para gerar empatia e adesão.
- Evitar tecnicismos: conselheiros vêm de áreas distintas: clareza, simplicidade e objetividade são essenciais.
- Usar metáforas e analogias: comparar situações corporativas a cenários do dia a dia pode tornar o argumento mais memorável e convincente.
Pilar 3: comunicar com estratégia e clareza
- Definição de mensagens-chave: reforçar as ideias principais ao longo da narrativa garante a retenção da informação.
- Adaptação ao público: o tom da comunicação deve variar conforme o perfil dos conselheiros e a complexidade do tema.
- Uso de diferentes formatos: além da fala, apresentações visuais, gráficos e até vídeos podem reforçar a narrativa e torná-la mais envolvente.
- Reforçar pontos essenciais em momentos distintos da reunião pode ajudar na assimilação e convencimento, mas cuidado com o excesso.
Conclusão: o storytelling é um diferencial no conselho
Para conselheiros, aplicar storytelling significa:
- Construir narrativas envolventes que influenciam a tomada de decisões
- Explicar conceitos jurídicos e regulatórios de forma clara e acessível
- Conectar-se melhor com todos enquanto apresenta riscos e soluções
- Posicionar-se estrategicamente como um comunicador eficaz e influente.
A forma como nos comunicamos faz toda a diferença. Storytelling é sobre transformar dados em informações e estas em argumentos de forma a ser compreendido, sentido e aceito da melhor forma possível.
E você, como tem utilizado o storytelling para influenciar decisões? Compartilhe sua visão nos comentários!