Entre os quatro pilares da governança corporativa, a responsabilidade corporativa talvez seja o menos citado e, assim, o mais negligenciado.
Isso porque ela exige algo raro em tempos de lucro trimestral: visão de futuro com coragem para dizer “não” ao curto prazo. Não se trata de discurso bonito ou sustentabilidade como vitrine. Trata-se de escolha. De posicionamento. De compromisso com o impacto real das decisões.
Durante o Board Starter da Board Academy, um dos trabalhos práticos propunha exatamente essa reflexão: como os pilares da governança se traduzem, de fato, no cotidiano das organizações. E foi ao me aprofundar nesse — o da responsabilidade corporativa — que percebi seu peso real. É ele que separa o sustentável do oportunista. O estratégico do impulsivo. O conselho atuante do passivo.
O que é, afinal, responsabilidade corporativa?
É o compromisso com a perenidade da organização e com os impactos diretos e indiretos que ela gera na sociedade e no ambiente. Não é apenas cumprir normas e regulamentos. É decidir com base no que é certo, mesmo que isso reduza o resultado do trimestre. É o alicerce do ESG.
É entender que existem decisões legalmente possíveis que são, no entanto, eticamente injustificáveis. Que uma empresa pode estar em conformidade e, ainda assim, deixar um rastro de destruição invisível — na cultura, nas relações ou na confiança da sociedade.
E como sempre afirmo: sem ética, sem governança. E sem governança, não há empresa que se sustente no tempo.
Onde esse pilar falha?
1. Quando o foco está apenas no curto prazo.
Empresas que só enxergam trimestres ignoram a construção de valor real. A pressão por resultados imediatos leva a decisões apressadas, que funcionam no Excel, mas não na prática. Reduz-se investimento em inovação, cortam-se programas de formação, desmobiliza-se capital humano. O preço? Uma empresa cada vez mais vulnerável, embora “saudável” no papel.
2. Quando se prioriza o resultado financeiro sem avaliar os efeitos colaterais.
Lucro não é vilão, mas precisa vir acompanhado de responsabilidade. Campanhas publicitárias agressivas que flertam com o preconceito, redução de custos que eliminam controles essenciais, contratos que comprometem a reputação da marca… tudo isso pode gerar ganho financeiro momentâneo, mas a que custo? Quando o balanço pesa mais que o impacto, a governança falha.
3. Quando riscos reputacionais são subestimados.
Não se trata apenas de evitar escândalos. Trata-se de perceber que a confiança do mercado, da sociedade e dos próprios colaboradores é um ativo invisível. E frágil. Pequenas incoerências entre discurso e prática corroem essa confiança de forma silenciosa. E quando a reputação quebra, não há plano de recuperação que dê conta sem danos duradouros.
4. Quando a cultura é sacrificada para cumprir metas.
Indicadores de desempenho são importantes, mas não podem sufocar a ética, o clima organizacional ou o senso de pertencimento e, principalmente, a cultura da empresa. Quando metas se tornam absolutos, pessoas deixam de ser vistas como gente e passam a ser números. Os melhores talentos vão embora, os que ficam adoecem, e a empresa, aos poucos, perde o que a tornava única: sua identidade.
5. E principalmente: quando a responsabilidade é terceirizada.
Responsabilidade corporativa não é função do jurídico, do RH ou do compliance. É um valor transversal, que precisa estar presente em cada decisão, em todas as áreas. Quando ela é tratada como um “setor”, perde força. Quando é tratada como um compromisso coletivo, vira cultura. E cultura é o que sustenta uma organização quando todo o mais falha.
O papel do conselheiro
O conselheiro é, antes de tudo, um guardião da coerência. Seu papel é fazer as perguntas que ninguém mais faz. É resistir à narrativa confortável e questionar o que parece óbvio. É trazer a lente do longo prazo para uma mesa que, muitas vezes, só enxerga os próximos meses.
Um conselheiro comprometido com a responsabilidade corporativa não terceiriza sua consciência. Não se omite porque “não era sua pauta”. E não se esconde atrás da coletividade para justificar o silêncio.
Entende que sua responsabilidade individual é o que sustenta a credibilidade do órgão colegiado.
O papel do conselho
O conselho, como instância máxima da governança, precisa ser mais que deliberativo. Precisa ser propositivo. Precisa garantir que a empresa não se perca de si mesma. Que as estratégias estejam conectadas a um propósito claro, que os indicadores considerem também impacto e legado, e que o discurso institucional esteja alinhado com a prática real.
Conselhos que apenas assistem às decisões da diretoria, sem confrontar o que precisa ser confrontado, deixam de exercer sua função de governança. E um conselho que não exerce governança é só um enfeite de luxo até que a crise venha cobrar a conta.
Para encerrar
Responsabilidade corporativa não se está nos relatórios. Ela se revela nas decisões difíceis — aquelas que exigem firmeza ética, visão sistêmica e coragem institucional.
E é aí que o papel do conselho e de cada conselheiro se define:
Não como quem apenas observa o tempo passar, mas como quem se responsabiliza por aquilo que vai durar.