Com o crescimento exponencial do mercado de apostas esportivas no Brasil, surge uma ameaça invisível, porém devastadora: a manipulação de resultados. O que antes parecia um problema distante, hoje compromete diretamente a integridade das competições esportivas e coloca em xeque a credibilidade das apostas. A confiança do público e a saúde financeira de um setor multibilionário dependem de um campo de jogo justo e imprevisível. No entanto, práticas ilícitas continuam a corroer as fundações desse mercado.
Para enfrentar esse desafio, a Lei 14.597/2023 surge como uma resposta robusta, criminalizando a manipulação de resultados e estabelecendo penas rigorosas para aqueles que buscam corromper a essência e a imprevisibilidade do esporte. Mais do que uma simples reação às fraudes, a legislação visa proteger o coração das competições esportivas — a imprevisibilidade e o fair play —, oferecendo ferramentas para que empresas de apostas, associações esportivas e os próprios participantes possam atuar de forma preventiva e reativa.
Neste artigo, vou além da superfície. Analiso os artigos 198 a 200 da Lei 14.597/2023, analisando as condutas tipificadas e os seus elementos dos crimes que visam preservar a integridade das competições. Também discutimos o papel essencial que empresas de apostas e organizações esportivas desempenham na criação de mecanismos de prevenção, no monitoramento constante e na colaboração com autoridades públicas para mitigar e punir essas práticas, sempre com atenção às diretrizes da LGPD.
O Artigo 177 – A Prevenção e Combate à Manipulação
O artigo 177 da Lei 14.597/2023 define o objetivo primordial da legislação: “afastar a possibilidade de conluio intencional, ato ou omissão que visem a alteração indevida do resultado ou do curso de competição esportiva, atentando contra a imprevisibilidade da competição, prova ou partida esportiva com vistas à obtenção de benefício indevido para si ou para outros”.
A legislação é abrangente e vai além de punir apenas as tentativas explícitas de manipulação do resultado. Ela se estende a qualquer comportamento que tenha o potencial de distorcer o desenrolar natural de uma competição, mesmo que o resultado em si não seja alterado. Exemplos disso incluem atos de omissão deliberada, como deixar de relatar incidentes que possam influenciar o andamento da partida, e avança para condutas intencionais para forçar punições desportivas, como cartões amarelos e vermelhos dentre outras. Casos mais flagrantes e escandalosos, como gols contra propositais ou forçar penalidades dolosas dentre outras situações imagináveis, também estão claramente sob o escopo da lei.
A essência da competição esportiva reside em sua imprevisibilidade. Essa característica é o que mantém o público envolvido, garante a integridade das organizações esportivas e sustenta o próprio mercado de apostas. Quando essa imprevisibilidade é atacada, a credibilidade de todos os envolvidos — desde atletas até as entidades reguladoras — fica comprometida. O impacto pode ser devastador, com o potencial de destruir a confiança do público, minar as bases do esporte profissional, amador e o próprio mercado de apostas como um todo.
Análise dos Elementos dos Crimes dos Artigos 198 a 200
Artigo 198: Este artigo tipifica a manipulação direta dos resultados, caracterizando como crime qualquer tentativa de alterar, por ato ou omissão, o resultado ou curso da competição esportiva com o objetivo de obter benefício indevido; ou qualquer tipo de evento associado a essa competição esportiva, no todo ou em parte dela (uma única partida, por exemplo). É a corrupção passiva desportiva! Aqui, o elemento chave é o intuito doloso de manipulação, ou seja, o desejo de corromper a competição e “matar” a imprevisibilidade desportiva.
Artigo 199: Este artigo aborda a participação em esquemas de manipulação de resultado ou de evento de competição esportiva, seja como autor direto ou cúmplice. É a corrupção ativa desportiva! A amplitude desse artigo permite punir aqueles que estão diretamente envolvidos na competição e terceiros que atuam nos bastidores para facilitar a manipulação da competição ou de evento dela. Isso reforça a rede de responsabilização, estendendo-a para além do campo de jogo.
Artigo 200: Aqui o objetivo é criminalizar a fraude, a enganação de evento desportivo. Seu foco é a fraude direta ao resultado da competição. É o dolo de falsear e de controlar o imprevisível tornando-o o que nunca deveria ser: certo! Por exemplo: uma atleta do atletismo segura, deliberadamente e sem qualquer tipo de justificativa desportiva (se poupar para uma fase posterior, por exemplo) seu desempenho durante uma corrida. A competição se tornou uma farsa, com resultado fraudado. Isso é fraude! Veja que nesse artigo não há uma finalidade específica descrita. Há apenas a fraude do resultado em si. É a fraude desportiva, o estelionato desportivo!
São pontos cruciais, especialmente em um cenário da indústria das apostas. A eventualidade, a imprevisibilidade, a falta de controle por parte de quem participa dos jogos de apostas são cruciais. Sem isso, a eventualidade, o mercado das apostas está morto. A competição está morta. O próprio esporte morre.
A análise desses três artigos revela a preocupação do legislador com a integridade do resultado e do curso das partidas e da competição. Vai desde o planejamento tático até a execução de cada partida. Além disso, a lei busca responsabilizar todos os envolvidos na cadeia de manipulação, ampliando o espectro de proteção à integridade esportiva.
Consequências para os Participantes das Competições
Atletas, técnicos, árbitros e outros envolvidos diretamente em competições esportivas precisam estar conscientes das graves consequências criminais e sociais das práticas de manipulação. Mesmo pequenos desvios éticos podem se transformar em violações punidas pela lei, se influenciarem o resultado ou se forem mediante pedido, aceite de recebimento de vantagem indevida ou, ainda, se forem solicitadas ou aceitas propostas no mesmo sentido.
Os indivíduos que se envolvem em esquemas de manipulação enfrentam penas de reclusão e multas significativas, conforme previsto pela legislação. Além das sanções criminais, o risco de exclusão permanente do esporte (banimento) é uma consequência real, assim como a destruição de suas carreiras. Esse tipo de envolvimento compromete a reputação do atleta, técnico, árbitro ou qualquer outro envolvido levando à perda de patrocínios e oportunidades futuras. Em um ambiente onde a confiança é essencial, as repercussões podem ser devastadoras.
Um caso emblemático no Brasil é a Operação Penalidade Máxima, iniciada em 2023, que revelou um esquema de manipulação de resultados envolvendo jogadores de várias divisões do Campeonato Brasileiro. Os atletas recebiam quantias significativas para cometer pênaltis ou outros atos que influenciavam diretamente o curso das partidas, beneficiando apostadores. O impacto dessa operação foi imenso, resultando na investigação e indiciamento de vários jogadores, cujas carreiras agora estão em risco, pelas punições legais criminais e pelo possível banimento ou destruição de sua reputação no mundo esportivo.
Esses exemplos mostram que o impacto da manipulação não se restringe apenas ao campo jurídico, mas também atinge de forma irreversível a reputação e a trajetória dos envolvidos, tanto no esporte quanto na vida pública.
Conclusão
A Lei 14.597/2023 é um passo decisivo na proteção da integridade do esporte no Brasil, mas é fundamental que todos os atores — desde os participantes das competições até as empresas de apostas e associações esportivas — desempenhem um papel ativo em sua implementação. Medidas preventivas, educacionais, verificação e cruzamento de dados, compliance nos clubes, empresas, federações, confederações e outras instituições envolvidas no esporte, combinadas com um sistema punitivo e a cooperação com autoridades, são essenciais para mitigar os riscos de manipulação de resultados ou de eventos esportivos.
No entanto, a pergunta que permanece é: Será que essas medidas são suficientes? Ou precisamos de um arcabouço regulatório ainda mais abrangente para proteger a integridade esportiva no Brasil?
Qual a opinião de vocês?