Lições dos Casos de Assédio na Uber (2017) e Nike (2018) para Pequenas e Médias Empresas (PMEs)

Por: Dercio Carvalhêda 8 de abril de 2024

Nos últimos anos, a sociedade tem presenciado um aumento significativo no número de casos públicos de assédio, especialmente no ambiente corporativo. Entre os casos mais emblemáticos estão as denúncias de assédio na Uber em 2017 e na Nike em 2018. Estes incidentes causaram grandes turbulências dentro das empresas envolvidas e desencadearam discussões importantes sobre práticas do compliance e das investigações corporativas.

Este artigo vai traçar um comparativo entre as ações tomadas por Uber e Nike antes da tomada de decisão mais enérgica, destacando as metodologias adotadas nas investigações, com o intuito de gerar insights valiosos para as corporações, principalmente para as pequenas e médias empresas (PMEs) que devem ser proativas quando envolvidas em situações semelhantes a essa.

O Caso da Uber (2017)

O caso de assédio na Uber de 2017 ganhou notoriedade principalmente devido às denúncias de uma. Em um post em seu blog, ela descreveu um ambiente de trabalho hostil e sexista, detalhando uma série de incidentes de assédio sexual por parte de um dos seus superiores, além de uma cultura de misoginia dentro da empresa. Segundo ela, suas reclamações ao RH foram ignoradas ou minimizadas, com a justificativa de que o assediador era um funcionário de alto desempenho. Ela também mencionou que, após denunciar o assédio, foi pressionada a mudar de equipe e enfrentou represálias, como a alteração de suas avaliações de desempenho​ (Observador)​​ (Giz Brasil)​.

O relato dela causou um grande impacto, levando a uma investigação interna na Uber. O CEO da época, Travis Kalanick, prometeu tomar medidas contra qualquer comportamento de assédio e anunciou uma investigação urgente sobre as alegações. A investigação resultou na demissão de 20 funcionários e na saída de altos executivos, incluindo o próprio Kalanick, que se afastou temporariamente para refletir sobre suas ações e prometeu voltar como um líder melhorado. A empresa também enfrentou críticas e acusações em várias frentes​ (VEJA)​​ (Giz Brasil)​.

Esse caso e as subsequentes investigações e demissões marcaram um ponto de virada para a Uber e levaram a empresa a reavaliar e mudar sua cultura corporativa e políticas de RH para criar um ambiente de trabalho mais inclusivo e respeitoso.

Metodologia de Investigação:

  • A Uber contratou equipe externa para conduzir uma investigação independente.
  • Foram realizadas entrevistas com empregados, análises de e-mails e outras comunicações internas.
  • A investigação focou tanto nos casos específicos de assédio quanto na cultura organizacional como um todo.

A investigação resultou na demissão de mais de 20 funcionários e na implementação de mais de 47 recomendações feitas pela equipe de Holder para melhorar a cultura de trabalho, políticas de RH, e práticas de compliance.

O Caso da Nike (2018)

Em 2018, um conjunto de ex-funcionárias da Nike nos Estados Unidos iniciou um processo legal contra a empresa, alegando discriminação de gênero, adicionando outra camada de tumulto à cultura corporativa criticada da empresa. Relatam um ambiente de trabalho adverso para mulheres, queixas de assédio moral e sexual negligenciadas e que mulheres são remuneradas menos do que homens em posições comparáveis, além de terem acesso limitado a oportunidades de progresso, conforme reportado por várias fontes internacionais desde a última sexta-feira (10/08). (Época Negócios)

Inicialmente, e após a repercussão no New York Times de que a empresa diferenciava o tratamento em salários e promoções conforme o gênero da pessoa, a empresa iniciou uma investigação interna sobre as alegações de assédio e discriminação. A crescente pressão pública e interna levou à contratação de uma firma externa para realizar uma investigação mais aprofundada. (New York Times)

Metodologia de Investigação:

  • Foi contratada uma empresa externa para a realização da investigação.
  • Foram revistas políticas internas, conduzidas entrevistas com funcionários, e realizadas análises de processos de RH e práticas de liderança.
  • A investigação culminou na renúncia de vários altos executivos e na revisão das políticas de recursos humanos e práticas de inclusão.

A investigação resultou na saída de vários executivos de alto nível, incluindo o presidente da marca Nike, que se aposentou, implementou mudanças significativas em suas políticas de recursos humanos e práticas de contratação para promover a diversidade e inclusão e aumentou o suporte para as queixas de assédio e discriminação, garantindo processos mais transparentes e justos.

Comparativo e Lições para PMEs

Ambos os casos evidenciam a importância de uma resposta rápida e decisiva das organizações frente a denúncias de assédio. No entanto, há diferenças notáveis na forma como as investigações foram conduzidas inicialmente:

  • Resposta Imediata: A Uber, após a denúncia pública, mas não sem antes uma certa resistência interna, agiu rapidamente ao contratar uma equipe externa para investigar as alegações, enquanto a Nike tentou inicialmente resolver as questões internamente, o que pode ter agravado a percepção pública do problema.
  • Transparência: A transparência durante a investigação é crucial. A Uber divulgou os resultados da investigação e as medidas tomadas, o que ajudou a restaurar parcialmente a confiança pública. A Nike, por outro lado, foi menos transparente no início, o que pode ter prejudicado sua imagem.
  • Medidas de Longo Prazo: Ambas as empresas implementaram mudanças significativas após as investigações, ressaltando a necessidade de reformar a cultura corporativa e práticas de gestão.

O assédio no ambiente de trabalho é uma questão grave que pode corroer a cultura corporativa, afetar a saúde mental dos empregados e diminuir significativamente a reputação e o faturamento de uma empresa. O tratamento de denúncias de assédio por gigantes corporativos como Uber e Nike oferece lições valiosas sobre a importância das metodologias investigativas, da comunicação eficaz e do treinamento adequado. Para as PME, entender esses aspectos é crucial, uma vez que elas podem não sobreviver ao impacto reputacional e financeiro de casos mal gerenciados de assédio.

Assim, dentre diversas recomendações que devem ser seguidas pelas pequenas e médias empresas, destacam-se:

Treinamento

Um programa de treinamento eficaz é essencial para prevenir o assédio no ambiente de trabalho. Este programa deve:

  • Ser regular e obrigatório para todos os funcionários, incluindo a alta direção, que deve mais que participar desses treinamentos, mas sim dar-lhes o prestígio e a visibilidade que um colete salva-vidas tem num barco.
  • Cobrir o que constitui assédio, como e por qual canal relatá-lo, informando o máximo de dados possíveis, além das consequências para os infratores.
  • Promover uma cultura de respeito e inclusão, destacando a importância da diversidade e equidade.

O treinamento não apenas educa, mas também constrói uma base comum de valores e comportamentos aceitáveis, crucial para prevenir o assédio.

Comunicação Interna e Externa

A comunicação é uma importante chave antes, durante e após uma investigação de assédio. Ela lida diretamente com o posicionamento da empresa perante a sociedade, os stakeholders e o seu público interno. Assim, ela deve ser:

  • Interna: é fundamental manter os funcionários informados sobre o progresso da investigação e as medidas tomadas, respeitando a privacidade e a confidencialidade.
  • Externa: a empresa deve comunicar sua postura contra o assédio e as ações que está tomando para resolver o problema. Isso ajuda a restaurar a confiança dos stakeholders e da sociedade em geral.

Uma comunicação clara e transparente pode ajudar a mitigar os danos à reputação e reafirmar o compromisso da empresa com um ambiente de trabalho seguro e respeitoso.

As histórias da Uber e Nike sublinham a importância de abordagens proativas e transparentes na gestão de denúncias de assédio. Para PMEs, aplicar lições de grandes corporações em suas estratégias de compliance, treinamento e comunicação é apenas uma questão de sobrevivência e uma oportunidade de fortalecer sua cultura organizacional, reputação e, consequentemente, seu faturamento. Esses casos púbicos servem como lembretes valiosos da importância de adotar uma postura proativa em relação ao compliance e à cultura organizacional.

É fundamental ter políticas claras de denúncia e investigação de assédio e promover uma cultura de transparência e inclusão.

Investir em treinamento regular sobre diversidade, equidade e inclusão, além de estabelecer canais de comunicação abertos e seguros para denúncias, são passos essenciais.

Conclusão

Os casos de Uber e Nike ilustram a complexidade e a importância de lidar eficazmente com denúncias de assédio no ambiente corporativo. Para PMEs, adotar uma abordagem firme e transparente em relação ao compliance é mais que uma questão legal, é um imperativo ético e de negócios que pode definir a reputação da empresa no longo prazo, o que impacta diretamente na retenção de talentos, reputação da empresa na sociedade e no mercado, faturamento etc.

Não importa o tamanho da empresa, problemas sempre acontecem. Não é o problema que define a empresa, mas sim como ela lida com eles. Casos de assédio existem e continuarão a existir. A forma pela qual a empresa lida com eles é que vai direcionar a visão que todos têm dela e de sua liderança.

Como advogados especializados em compliance, estamos preparados para auxiliar PMEs a navegar estas questões complexas, para visar a conformidade legal e uma cultura organizacional saudável, inclusiva e lucrativa.

Publicado em: 8 de abril de 2024 por