Muito se fala sobre diversidade e inclusão nas empresas, mas a realidade mostra que, na maioria dos casos, a inclusão fica só no discurso.
E nem estou falando que as organizações não fazem algum tipo de inclusão. O real problema é que muitas adotam políticas superficiais: contratam minorias apenas para funções operacionais ou mantêm sua liderança praticamente inalterada, por exemplo. Outras investem em ações pontuais, mas sem um compromisso real com mudanças estruturais. Na prática, a inclusão propagandeada fica muito aquém do que deve ser, do necessário até.
A inclusão deve se traduzir em oportunidades concretas de crescimento, acesso à liderança e à transformação social. Se não for assim, ela não passa de um discurso vazio.
Acesso à Liderança: O Verdadeiro Teste da Inclusão
Ter uma força de trabalho diversa é um começo, mas a verdadeira métrica da inclusão está na diversidade dos cargos de liderança. Quem toma as decisões dentro da empresa? Quem define estratégias e cultura organizacional? Se a alta gestão continua homogênea, seja em gênero, raça ou contexto social, então a empresa ainda não atingiu um nível satisfatório de inclusão.
Estudos da McKinsey & Company e Deloitte demonstram que empresas com equipes diversas na liderança tomam decisões melhores, são mais inovadoras e refletem melhor a sociedade em que atuam. Mas essa inclusão não acontece de forma espontânea. É preciso que ações concretas prepararem e promovam talentos. Proatividade é a palavra.
Estar a frente significa investir, não necessariamente em pagamento de melhores salários, mas, principalmente, de formação de qualidade que vai gerar melhor equidade. Equidade é diferente de igualdade. Igualdade é tratar a todos de forma igual; já equidade é tratar a todos de forma desigual, na medida de sua desigualdade.
Exemplo:
- Igualdade: a empresa oferece o mesmo treinamento de liderança para todos os funcionários. Desconsidera questões particulares como: origem, nível educacional ou experiência prévia. Isso favorece os que já tiveram acesso a boas oportunidades educacionais e dificulta os que não tiveram isso;
- Equidade: a empresa adapta os programas de desenvolvimento considerando a realidade de cada colaborador. Pode oferecer mentorias personalizadas para pessoas que não tiveram acesso a boas escolas. Assim, a empresa cria condições reais para que todos tenham as mesmas oportunidades de crescimento.
Assim, organizações que promovem a inclusão corporativa, não devem se limitar a contratar pessoas que já estão preparadas para os cargos. Devem ir além: criar oportunidades para que profissionais de diferentes realidades sociais possam crescer e se desenvolver.
Isso significa que, em alguns momentos, a empresa pode optar por contratar não necessariamente a pessoa mais qualificada naquele momento, mas sim aquela que, com investimento e suporte, poderá se tornar um grande talento no futuro.
E essa lógica já é adotada por algumas empresas que, por exemplo, criam fundações e programas de financiamento educacional para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Elas oferecem bolsas de estudo para ensino superior e qualificação profissional e, depois, podem aproveitar esses talentos em seus próprios quadros. Essa atitude, além de promover a eficiente inclusão corporativa-social na empresa, impacta a sociedade de forma positiva. Além disso, empresas que investem nessa abordagem costumam ter maior retenção de talentos, melhor reputação no mercado e um ambiente mais inovador. Como já dito, estudos mostram que equipes diversas contribuem para decisões mais eficientes e criativas, gerando impacto positivo para a sociedade e para o crescimento sustentável do próprio negócio.
Me recordo das aulas de @Domingos Fortunato, quando da minha especialização em compliance no Ibmec, em que ele afirmava se sentir extremamente orgulhoso de ser sócio de um escritório de advocacia que realizava esse tipo de inclusão, através da Fundação Matos Filho.
Diversas outras empresas adotaram essa postura, cito apenas alguns exemplos:
Natura & Co. – A Natura abriu mais de 170 vagas para jovens em situação de vulnerabilidade social, destinadas a pessoas entre 17 e 22 anos que estejam cursando ou tenham concluído o ensino médio e/ou técnico.
JBS – A JBS firmou compromisso para contratar jovens em situação de vulnerabilidade por meio do programa Jovem Aprendiz, direcionado a indivíduos de até 24 anos. A empresa também oferece outras oportunidades para jovens de até 29 anos em suas mais de 100 unidades no país.
Johnson & Johnson – A Johnson & Johnson implementou o movimento Mulher 360, visando aumentar a presença e retenção de mulheres em posições de liderança. O programa foca na inclusão, avanço de mulheres e fortalecimento da comunidade interna, promovendo o desenvolvimento de talentos e equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Sodexo – A Sodexo é reconhecida por suas práticas de diversidade e inclusão, com 43% de mulheres no Comitê Executivo e 38% no Conselho Administrativo. A empresa atua há mais de 10 anos na promoção da inclusão no ambiente corporativo, sendo referência em equilíbrio de gênero.
O papel das empresas na construção de um mercado de trabalho mais inclusivo
A inclusão verdadeira exige que as empresas olhem além de suas necessidades imediatas. Devem assumir um papel ativo na construção de um mercado de trabalho mais diverso e equitativo. Para que a inclusão seja efetiva e não apenas um esforço isolado, é fundamental o comprometimento da alta gestão. Conselhos de administração e executivos devem garantir que essas iniciativas sejam incorporadas à estratégia organizacional, com acompanhamento de métricas e impacto real. Isso significa:
- Criar oportunidades reais de crescimento para minorias: as empresas podem e devem contratar talentos diversos, mas também devem garantir que essas pessoas tenham chances reais de evoluir profissionalmente. Isso pode ser feito por meio de programas de mentorias, treinamentos específicos e planejamento de carreira focado na ascensão profissional desses grupos. A inclusão precisa ser estruturada para que todos tenham acesso ao mesmo desenvolvimento e de forma equitativa. Isso vai permitir de forma justas a sua ascensão dentro da organização.
- Repensar critérios de contratação: em muitos casos, as exigências tradicionais para determinadas vagas acabam excluindo talentos com potencial, mas que, por situações da vida, tiveram menos oportunidades. Empresas podem adotar critérios mais flexíveis, considerando habilidades interpessoais, capacidade de aprendizado e experiência de vida como fatores tão relevantes quanto as competências técnicas básicas. Podem até mesmo ajustar critérios para considerar talentos com lacunas técnicas, mas com alto potencial de contribuição em outras áreas. Isso traz perspectivas inovadoras e enriquecedoras, muitas vezes ausentes entre lideranças de médias e grandes empresas, que tendem a vir de contextos mais privilegiados.
- Investir em educação e formação: um dos maiores desafios da inclusão é a falta de acesso à educação e à capacitação profissional. Empresas podem criar iniciativas como cursos internos, bolsas de estudo e parcerias com instituições de ensino para capacitar seus colaboradores e até seus possíveis candidatos. Podem devolver à sociedade um tanto do que recebem, investindo em educação para formação de novos talentos. As pessoas que passarão por esses cursos não necessariamente farão parte da empresa, é verdade, mas deixará um mundo melhor. Isso vai melhorar a qualificação da equipe, fortalecer a inclusão ao dar oportunidade de crescimento para quem antes não teria acesso a esse tipo de aprendizado e reter e trazer excelentes talentos que antes passariam ao largo do conhecimento de todos.
- Medir e divulgar resultados: a inclusão corporativa precisa ser mensurável, com indicadores claros: percentual de mulheres e pessoas negras na liderança, tempo médio para promoções entre diferentes grupos, impacto de programas de desenvolvimento de minorias, quantidade de pessoas socialmente e economicamente vulneráveis atendidas e o percentual das aproveitadas nos quadros da empresa (e até quantas dessas chegam a posições de liderança), além, é claro, de atentar às qualidade dos cursos que oferece e os das instituições parceiras. A transparência na divulgação desses dados é fundamental e garante que os compromissos assumidos se tornem uma prática consolidada.
Isso contribui para a transformação social e, ao mesmo tempo, beneficia os realizadores com uma equipe com perspectivas diversas, com maior capacidade de inovação e, normalmente, fiéis.
No final, a inclusão não é apenas um valor moral: é uma vantagem competitiva que diferencia empresas e impulsiona resultados.