Governança, compliance, gestão e auditoria são diferentes e com atuações práticas diversas

Por: Dercio Carvalhêda 10 de outubro de 2024

Em meio ao cenário empresarial, termos como governança, compliance, gestão e auditoria são amplamente utilizadas, mas será que entendemos realmente o que cada um significa? Cada um desses conceitos possui um papel específico dentro das organizações e compreendê-los em detalhes é fundamental para o sucesso e a sustentabilidade de qualquer empresa. Neste artigo, vamos definir esses termos e fornecer exemplos práticos e esclarecer quem é responsável por identificar fraudes no ambiente corporativo.

1. Governança

A governança é o conjunto de princípios, políticas e diretrizes que guiam a tomada de decisões em uma empresa, estabelecendo como ela deve ser gerida para alcançar seus objetivos de maneira sustentável e responsável. Ela abrange desde a criação de mecanismos para garantir a transparência até a definição de como o conselho de administração deve atuar. Governança não se resume apenas a cumprir obrigações legais, mas também a garantir que a organização adote práticas éticas e que sua atuação seja alinhada aos interesses de todos os seus stakeholders (acionistas, colaboradores, clientes, sociedade e meio ambiente).

Um sistema eficaz de governança assegura que a empresa tenha um propósito claro e que suas ações sejam coerentes com seus valores e objetivos estratégicos de longo prazo. Ele define os papéis e as responsabilidades dos líderes, garantindo que todos na organização saibam o que se espera deles e como devem atuar em nome da empresa.

Exemplo prático: Imagine uma grande empresa multinacional que decide criar um comitê de ética e sustentabilidade, responsável por supervisionar as decisões estratégicas da alta liderança e garantir que essas estejam alinhadas com os princípios de responsabilidade social e ambiental. Este comitê funciona como uma extensão da governança corporativa, assegurando que todas as ações da empresa sigam as diretrizes estabelecidas para proteger sua reputação e promover o desenvolvimento sustentável.

Além disso, a governança atua como um balizador para a relação da empresa com seus acionistas. Práticas de governança adequadas garantem transparência em relatórios financeiros e decisões estratégicas, o que aumenta a confiança dos investidores e a atratividade da empresa no mercado.

2. Compliance

Enquanto a governança estabelece o que precisa ser feito, o compliance garante que isso seja feito da maneira correta. Compliance refere-se ao conjunto de práticas e processos que asseguram que a empresa esteja em conformidade com todas as leis, regulamentos e normas aplicáveis ao seu setor de atuação. O compliance também vai além de questões meramente legais, incluindo políticas internas que garantem que a empresa opere de maneira ética e transparente em suas interações com colaboradores, fornecedores e o mercado. Além disso, se preocupa com todas as questões comportamentais de seus stakeholders, visando prevenir e investigar qualquer tipo de comportamento inadequado dentro da organização e de outro que impacte diretamente nela.

A função de compliance envolve a criação e implementação de códigos de conduta, políticas anticorrupção, programas de treinamento sobre regulamentações e o monitoramento contínuo das atividades da empresa para identificar e corrigir possíveis irregularidades antes que se tornem grandes problemas.

Se a governança diz o que precisa ser feito, o compliance cuida de como as ações são implementadas, com o objetivo de evitar problemas jurídicos e preservar a reputação da empresa.

Exemplo prático: Em uma instituição financeira, o compliance pode desenvolver e monitorar um programa robusto de prevenção à lavagem de dinheiro. Esse programa incluiria a verificação de todas as transações financeiras para garantir que estejam dentro dos padrões regulatórios, além de treinamentos contínuos para que os colaboradores saibam reconhecer operações suspeitas. Quando falhas no sistema são identificadas, o compliance age rapidamente para ajustar os processos e evitar infrações.

O papel do compliance é vital para evitar riscos legais, financeiros e reputacionais. É o responsável por sinalizar possíveis fraudes ou atividades ilícitas dentro da organização, analisar os riscos reputacionais a que essa organização está sujeita e assim poder criar mecanismos (controles internos) para mitigar esses riscos. Atua, ainda, em prol de diversas outras questões dentro da organização, tais como: investigações corporativas, criação e revisão de códigos de conduta, implementação e monitoramento do canal de denúncias, realização da diligência devida (due diligence) dentre outras atribuições. O compliance não é gestor da empresa, mas deve atuar, em conjunto com a gestão e sob a orientação da governança, em favor de uma organização ética, responsável e preocupada e atuante dentro dos princípios do ESG.

3. Gestão

A gestão é a aplicação prática das diretrizes da governança e das políticas de compliance no cotidiano da empresa. Envolve o planejamento, a organização, a liderança e o controle de recursos (financeiros, humanos e materiais), para alcançar os objetivos da empresa de forma eficiente. A gestão transforma a estratégia em ação, conectando a visão da liderança à operação prática da empresa.

A função da gestão é, portanto, tornar tangível aquilo que a governança estabelece no plano estratégico. Isso implica em liderar equipes, gerenciar recursos e ajustar processos conforme as necessidades do mercado e da própria empresa. Gestores devem ser ágeis e flexíveis para responder a mudanças no ambiente de negócios, ao mesmo tempo em que mantêm, atendendo os levantamentos realizados pelo compliance, o foco nos resultados e no cumprimento das metas organizacionais.

E uma coisa que o gestor não pode se esquecer jamais é integrar todas as práticas de ESG em suas atividades para que aquilo que a empresa afirma que faz tenha total sinergia com aquilo que ela realmente faz.

Exemplo prático: Um gerente de vendas que define metas de faturamento para sua equipe está exercendo uma função de gestão. Além de definir as metas, ele também precisa acompanhar o desempenho de cada membro da equipe, ajustar estratégias quando necessário e garantir que os recursos (como orçamento para campanhas de marketing) estejam sendo usados de maneira eficiente. O gerente deve garantir que todos os esforços da equipe estejam alinhados aos objetivos maiores da empresa.

A gestão eficiente faz a ponte entre o planejamento estratégico e a operação do dia a dia. Gestores competentes garantem que os processos funcionem de forma harmoniosa, que os recursos sejam alocados de forma adequada e que a empresa consiga entregar valor tanto para seus acionistas quanto para seus clientes.

4. Auditoria

A auditoria desempenha um papel crítico no monitoramento e revisão das operações financeiras e das práticas de gestão. Mas, ao contrário do que muita gente pensa, sua principal função não é descobrir fraudes. Sim, a auditoria desempenha um papel fundamental na detecção de fraudes, mas não é essa a sua atividade principal. A auditoria tem como foco verificar se os controles internos da empresa estão funcionando corretamente e se as informações contábeis e operacionais estão sendo registradas de acordo com as normas e padrões estabelecidos.

A auditoria pode ser interna, realizada por um departamento da própria empresa, ou externa, conduzida por firmas especializadas. Ambas têm como objetivo revisar os processos e registros para garantir a transparência e a confiabilidade das informações que a empresa reporta a seus stakeholders.

Exemplo prático: Uma auditoria externa é contratada por uma empresa de grande porte para revisar seus demonstrativos financeiros. O objetivo é garantir que as transações e os ativos da empresa estejam devidamente registrados e que os controles internos sejam robustos o suficiente para prevenir erros ou irregularidades. A auditoria gera um relatório que é entregue aos acionistas e à diretoria, recomendando melhorias em processos e controles.

Embora fraudes possam ser detectadas durante uma auditoria, essa não é sua função principal. O foco da auditoria é garantir a conformidade e a precisão dos registros financeiros e não a investigação de condutas ilícitas.

Então, quem é responsável por descobrir fraudes?

Embora a auditoria possa, em alguns casos, identificar fraudes, não é sua função descobrir se fraudes estão ocorrendo. A responsabilidade por detectar fraudes recai sobre o compliance e os controles internos da empresa. Esses mecanismos são projetados para identificar atividades suspeitas e possíveis irregularidades, seja no comportamento de funcionários, seja nas transações financeiras.

Exemplo prático: O compliance de uma empresa implementa um sistema de controle que emite alertas em caso de transações financeiras atípicas ou discrepâncias no comportamento de funcionários. Esse sistema ajuda a identificar sinais de que algo pode estar errado, sendo o primeiro passo para evitar que fraudes se desenvolvam ou ocorram. Além disso, ao verificar uma situação de fraude, deve instaurar uma investigação interna independente de forma a determinar a resposta para as seguintes questões: o que, quando, onde, como, por que, quem e, em alguns casos, quanto.

Conclusão

Para que uma organização funcione de maneira eficaz e sustentável, é essencial que haja uma integração harmônica entre governança, compliance, gestão e auditoria. Esses pilares não funcionam de forma isolada, mas como partes de um sistema que busca assegurar a transparência, a ética e a eficiência em todas as operações da empresa.

A governança define o norte estratégico, estabelecendo as diretrizes que vão guiar todas as ações da empresa, desde a alta administração até os processos operacionais. Ela é a base para garantir que a empresa mantenha sua integridade, responsabilidade social e sustentabilidade a longo prazo. Um sistema de governança robusto é o que mantém a organização firme em seus propósitos, mesmo diante de pressões externas e desafios econômicos.

O compliance, por sua vez, tem um papel fundamental na mitigação de riscos. Ele não só assegura que as diretrizes da governança sejam seguidas, mas também que a empresa esteja em conformidade com leis e regulamentações externas. O compliance age de forma preventiva, detectando falhas e prevenindo danos à reputação e à saúde financeira da organização. Sem um programa de compliance eficaz, até as melhores estratégias de governança podem falhar, pois não haverá garantias de que as regras sejam cumpridas na prática.

A gestão atua na linha de frente, transformando as diretrizes estratégicas e regulamentares em resultados concretos. Sem uma gestão competente, mesmo os sistemas mais bem estruturados de governança e compliance podem ficar ineficazes. Os gestores precisam estar alinhados com a visão estratégica da empresa e garantir que os recursos sejam usados de forma eficiente para alcançar os objetivos traçados. A gestão é o elo entre a visão estratégica e a operação cotidiana.

Finalmente, a auditoria desempenha um papel essencial na manutenção da integridade do sistema como um todo. Por meio de suas revisões independentes, ela valida se os processos estão sendo conduzidos de forma adequada, garantindo a confiabilidade das informações que são comunicadas a investidores, órgãos reguladores e ao público em geral. Embora não seja o papel principal da auditoria detectar fraudes, suas análises podem revelar vulnerabilidades nos sistemas de controle que, quando corrigidas, fortalecem a organização contra potenciais irregularidades.

Cada um desses pilares tem uma função crítica para a saúde organizacional. Juntos, eles criam uma rede de segurança que protege a empresa contra riscos financeiros, legais e reputacionais, ao mesmo tempo que promovem um ambiente de trabalho ético e transparente. Empresas que conseguem equilibrar esses quatro elementos não apenas sobrevivem, mas prosperam, construindo confiança com seus stakeholders e garantindo um crescimento sustentável.

A chave para o sucesso organizacional é a sinergia: a governança dá a direção, o compliance assegura que as regras sejam cumpridas, a gestão faz com que as metas sejam atingidas e a auditoria verifica a integridade de todo o sistema. Somente com a integração eficaz desses componentes uma empresa pode realmente se destacar em um mercado cada vez mais complexo e regulado.

Trocando em miúdos:

  • Governança estabelece as diretrizes e orienta a empresa para a prática de suas atividades de maneira ética e responsável.
  • Compliance monitora a conformidade com essas diretrizes e ajuda a identificar fraudes.
  • Gestão é responsável por implementar o plano estratégico e garantir que os resultados esperados sejam alcançados.
  • Auditoria revisa as práticas financeiras e operacionais, mas não é responsável por descobrir fraudes e sim por verificar a adequação dos controles internos.

Cada um desses elementos desempenha um papel essencial no sucesso de uma empresa e deve ser entendido e implementado de forma integrada para garantir a saúde organizacional.

Publicado em: 10 de outubro de 2024 por