Fraude, Investigações e a Leitura Nas Entrelinhas

Por: Dercio Carvalhêda 28 de novembro de 2024

Fraudes raramente se apresentam de forma clara. Quem as comete, por óbvio, tenta esconder suas ações, manipulando dados, explorando brechas nos sistemas ou aproveitando-se de falhas nos controles internos, ou, ainda, usando outros artifícios que tem a imaginação humana como limite.

Por isso, a habilidade de “ler nas entrelinhas” é essencial durante uma investigação. É ela que permite ir além do óbvio.

Primeiro vamos pensar na fraude em si. O que se precisa para uma pessoa cometer uma fraude?

A teoria do TRIÂNGULO DA FRAUDE, desenvolvida por Donald Cressey, é um modelo útil para entender o que leva alguém a cometer uma fraude. Foi desenvolvida em 1953 e impressiona, numa época em que tudo se modifica de maneira super-rápida, ela continua atual. Essa teoria é o resultado de pesquisa acadêmica para sua tese de doutorado em criminologia na qual ele analisou as razões que levam pessoas em posições de confiança a cometerem fraudes. Ele parte de três elementos:

  1. Oportunidade: onde existem falhas ou lacunas nos controles internos, surgem as oportunidades.
  2. Pressão: motivações financeiras ou profissionais – como dívidas, metas irreais ou crises pessoais – costumam ser o gatilho.
  3. Racionalização: quem comete a fraude encontra justificativas para seus atos, como “a empresa nem vai perceber” ou “só estou pegando o que é meu por direito” ou, ainda, “todo mundo faz isso”.

Na prática, esses três elementos orientam tanto a prevenção quanto a investigação. Uma fraude só acontece se os três estiverem presentes. Então, quando uma suspeita surge, investigar cada um deles ajuda a montar o quebra-cabeça.


Perguntas para estruturar a investigação

Em investigações de fraudes, perguntas como o 5W2H ajudam a organizar perguntas e encontrar respostas de forma objetiva.

  • Who (Quem): quem está envolvido diretamente ou indiretamente? É preciso olhar além do óbvio. Nem sempre quem aparece formalmente no processo é quem controla as decisões de fato.
  • What (O que): o que foi desviado ou manipulado? Valores, bens, informações, confiança? Muitas vezes, o impacto vai além do financeiro.
  • Where (Onde): onde ocorreu a fraude? Em um sistema específico, uma unidade, uma área negligenciada?
  • When (Quando): qual foi o momento ou período em que isso aconteceu? A frequência pode revelar se é algo isolado ou recorrente.
  • Why (Por quê): qual foi a motivação por trás da ação? Pressões financeiras, desorganização interna, metas irreais, falta de ética? É fundamental entender o contexto.
  • How (Como): como foi executada? Que brechas ou vulnerabilidades foram exploradas?
  • How Much (Quanto): qual o impacto financeiro direto e os danos colaterais, como reputação e confiança interna?

Leitura Nas Entrelinhas: a chave para a verdade

Fraudes deixam rastros, ainda que sutis. Esses rastros nem sempre estão em documentos ou dados financeiros. Isso é olhar além do que pode ser percebido em primeira vista. É olhar nas entrelinhas dos documentos, das planilhas, das conversas, comportamentos, olhares etc. Eles também podem ser percebidos de outras formas, como por exemplo:

  • No comportamento: um colaborador nervoso em uma conversa informal, um padrão de vida que não condiz com a renda, mudanças sutis na postura de alguém ao falar de certos temas etc.
  • Nos processos: pequenas inconsistências, como ajustes contábeis recorrentes, aprovações sem critério ou dados que parecem “ajeitados”, costumam apontar para algo maior.
  • Na cultura organizacional: empresas com ambientes de alta pressão ou com liderança permissiva tendem a registrar mais fraudes. Nem sempre a fraude é um ato isolado – muitas vezes, ela reflete o que está sendo tolerado ou até incentivado pela cultura interna.

Investigar nas entrelinhas significa ir além do que aparece facilmente. Deve-se olhar os números e ouvir o que os processos e as pessoas estão dizendo – mesmo que indiretamente.

Muitas das vezes, e vi isso muitas vezes durante minha vida como Delegado na Polícia Federal, o investigador deve tentar pensar como um fraudador, porque assim poderá entender o que ele já fez, identificar seus possíveis próximos passos e onde ele deixou os rastros. “Se eu fosse o fraudador, o que eu faria?”. É isso!

As pessoas que conseguem ter esse olha malicioso e encaminham essa malícia para o bem, conseguem ver nas entrelinhas e assim serem excelentes investigadores.


Aprendizado e prevenção

Uma investigação pode levar a 3 tipos de resultados. Vamos lá:

  • Pode concluir que a fraude não ocorreu
  • Pode concluir que a fraude ocorreu, mas não foi possível identificar o fraudador
  • Pode concluir que a fraude ocorreu e identificar o fraudador.

E não importa o seu resultado, isso é apenas parte do trabalho. O passo seguinte é entender as lacunas na proteção da empresa que tornaram a ocorrência de fraude possível.

Lembram do triangulo da fraude? A organização deverá usar esse aprendizado para, simplificadamente: melhorar os seus processos (para impedir a OPORTUNIDADE), criar mecanismos que percebam se stakeholders estão se sentindo pressionados de alguma maneira (para diminuir a PRESSÃO) e realizar treinamentos e ensinamentos sobre ética (para mitigar a RACIONALIZAÇÃO)

Fraudes são inevitáveis onde há oportunidade, pressão e racionalização. Mas empresas que, por exemplo, investem em controles efetivos, promovem uma cultura ética forte e criam canais de denúncia confiáveis conseguem reduzir essas oportunidades ao mínimo. Assim, mais do que combater fraudes, evitam que aconteçam.

Investigações bem-feitas desvendam o que está escondido, mostram como o ambiente da organização contribuiu para o problema e criam oportunidades para mudanças reais.

No final das contas, a verdade está sempre nas entrelinhas. Só é preciso saber enxergá-la.

A verdade está sempre nas entrelinhas, seja nas investigações ou na forma como enxergamos o mundo. É com esse olhar que me preparo para o lançamento do meu newsletter ‘Entre Linhas’, na próxima semana. Fique atento!

Publicado em: 28 de novembro de 2024 por