Fraudes raramente se apresentam de forma clara. Quem as comete, por óbvio, tenta esconder suas ações, manipulando dados, explorando brechas nos sistemas ou aproveitando-se de falhas nos controles internos, ou, ainda, usando outros artifícios que tem a imaginação humana como limite.
Por isso, a habilidade de “ler nas entrelinhas” é essencial durante uma investigação. É ela que permite ir além do óbvio.
Primeiro vamos pensar na fraude em si. O que se precisa para uma pessoa cometer uma fraude?
A teoria do TRIÂNGULO DA FRAUDE, desenvolvida por Donald Cressey, é um modelo útil para entender o que leva alguém a cometer uma fraude. Foi desenvolvida em 1953 e impressiona, numa época em que tudo se modifica de maneira super-rápida, ela continua atual. Essa teoria é o resultado de pesquisa acadêmica para sua tese de doutorado em criminologia na qual ele analisou as razões que levam pessoas em posições de confiança a cometerem fraudes. Ele parte de três elementos:
- Oportunidade: onde existem falhas ou lacunas nos controles internos, surgem as oportunidades.
- Pressão: motivações financeiras ou profissionais – como dívidas, metas irreais ou crises pessoais – costumam ser o gatilho.
- Racionalização: quem comete a fraude encontra justificativas para seus atos, como “a empresa nem vai perceber” ou “só estou pegando o que é meu por direito” ou, ainda, “todo mundo faz isso”.
Na prática, esses três elementos orientam tanto a prevenção quanto a investigação. Uma fraude só acontece se os três estiverem presentes. Então, quando uma suspeita surge, investigar cada um deles ajuda a montar o quebra-cabeça.
Perguntas para estruturar a investigação
Em investigações de fraudes, perguntas como o 5W2H ajudam a organizar perguntas e encontrar respostas de forma objetiva.
- Who (Quem): quem está envolvido diretamente ou indiretamente? É preciso olhar além do óbvio. Nem sempre quem aparece formalmente no processo é quem controla as decisões de fato.
- What (O que): o que foi desviado ou manipulado? Valores, bens, informações, confiança? Muitas vezes, o impacto vai além do financeiro.
- Where (Onde): onde ocorreu a fraude? Em um sistema específico, uma unidade, uma área negligenciada?
- When (Quando): qual foi o momento ou período em que isso aconteceu? A frequência pode revelar se é algo isolado ou recorrente.
- Why (Por quê): qual foi a motivação por trás da ação? Pressões financeiras, desorganização interna, metas irreais, falta de ética? É fundamental entender o contexto.
- How (Como): como foi executada? Que brechas ou vulnerabilidades foram exploradas?
- How Much (Quanto): qual o impacto financeiro direto e os danos colaterais, como reputação e confiança interna?
Leitura Nas Entrelinhas: a chave para a verdade
Fraudes deixam rastros, ainda que sutis. Esses rastros nem sempre estão em documentos ou dados financeiros. Isso é olhar além do que pode ser percebido em primeira vista. É olhar nas entrelinhas dos documentos, das planilhas, das conversas, comportamentos, olhares etc. Eles também podem ser percebidos de outras formas, como por exemplo:
- No comportamento: um colaborador nervoso em uma conversa informal, um padrão de vida que não condiz com a renda, mudanças sutis na postura de alguém ao falar de certos temas etc.
- Nos processos: pequenas inconsistências, como ajustes contábeis recorrentes, aprovações sem critério ou dados que parecem “ajeitados”, costumam apontar para algo maior.
- Na cultura organizacional: empresas com ambientes de alta pressão ou com liderança permissiva tendem a registrar mais fraudes. Nem sempre a fraude é um ato isolado – muitas vezes, ela reflete o que está sendo tolerado ou até incentivado pela cultura interna.
Investigar nas entrelinhas significa ir além do que aparece facilmente. Deve-se olhar os números e ouvir o que os processos e as pessoas estão dizendo – mesmo que indiretamente.
Muitas das vezes, e vi isso muitas vezes durante minha vida como Delegado na Polícia Federal, o investigador deve tentar pensar como um fraudador, porque assim poderá entender o que ele já fez, identificar seus possíveis próximos passos e onde ele deixou os rastros. “Se eu fosse o fraudador, o que eu faria?”. É isso!
As pessoas que conseguem ter esse olha malicioso e encaminham essa malícia para o bem, conseguem ver nas entrelinhas e assim serem excelentes investigadores.
Aprendizado e prevenção
Uma investigação pode levar a 3 tipos de resultados. Vamos lá:
- Pode concluir que a fraude não ocorreu
- Pode concluir que a fraude ocorreu, mas não foi possível identificar o fraudador
- Pode concluir que a fraude ocorreu e identificar o fraudador.
E não importa o seu resultado, isso é apenas parte do trabalho. O passo seguinte é entender as lacunas na proteção da empresa que tornaram a ocorrência de fraude possível.
Lembram do triangulo da fraude? A organização deverá usar esse aprendizado para, simplificadamente: melhorar os seus processos (para impedir a OPORTUNIDADE), criar mecanismos que percebam se stakeholders estão se sentindo pressionados de alguma maneira (para diminuir a PRESSÃO) e realizar treinamentos e ensinamentos sobre ética (para mitigar a RACIONALIZAÇÃO)
Fraudes são inevitáveis onde há oportunidade, pressão e racionalização. Mas empresas que, por exemplo, investem em controles efetivos, promovem uma cultura ética forte e criam canais de denúncia confiáveis conseguem reduzir essas oportunidades ao mínimo. Assim, mais do que combater fraudes, evitam que aconteçam.
Investigações bem-feitas desvendam o que está escondido, mostram como o ambiente da organização contribuiu para o problema e criam oportunidades para mudanças reais.
No final das contas, a verdade está sempre nas entrelinhas. Só é preciso saber enxergá-la.
A verdade está sempre nas entrelinhas, seja nas investigações ou na forma como enxergamos o mundo. É com esse olhar que me preparo para o lançamento do meu newsletter ‘Entre Linhas’, na próxima semana. Fique atento!