Diligência prévia e responsabilidade dos conselheiros: o que podemos aprender com Brumadinho e Americanas?

Por: Dercio Carvalhêda 26 de fevereiro de 2025

272 mortes. Um rombo de R$ 25 bilhões. Dois casos completamente diferentes, mas uma pergunta inevitável: os conselheiros poderiam ter feito algo diferente?

Conselhos de administração têm grandes responsabilidades. Mas será que, na prática, exercem seu papel com a diligência necessária? O desastre da barragem de Brumadinho e a crise da Americanas mostram que, quando a governança parece falhar, as consequências são extremamente graves. E o conselho não pode deixar margem de dúvidas à sua atuação.

Os conselhos de administração não são cargos honoríficos. Ser conselheiro de administração significa assumir responsabilidades estratégicas e legais sobre os rumos da empresa. É muito trabalho, muita responsabilidade e muita prestação de contas. Não se resume apenas às reuniões periódicas – para participar ativamente dessas reuniões, há de se preparar, de estudar, de entender os documentos encaminhados, de solicitar complementação e poderia citar várias outras. Tudo isso para gerar valor e contribuir para o sucesso das empresas.

A responsabilidade é dos conselheiros. Eles buscam sempre fazer o certo, mas, eventualmente, as coisas podem dar errado. E quando isso acontece? E quando isso tem como impacto vidas humanas ou bilhões de reais? Fica a pergunta: os conselheiros fizeram o suficiente?

O presente artigo não tem o objetivo de acusar ou inocentar qualquer pessoa ou instituição, mas sim analisar dois casos em que diligências específicas determinadas pelos conselhos poderiam ter levado a resultados diferentes. Poderiam ter levado não significa que, necessariamente, levariam. A proposta aqui é refletir sobre o papel da diligência prévia e os desafios da governança corporativa na prática.

Vamos a exemplos.

Duas tragédias brasileiras recentes, em contextos totalmente distintos, mostram que a resposta nem sempre é simples. O desastre da barragem de Brumadinho, em 2019, e o colapso financeiro da Americanas, em 2023, expõem os desafios da governança corporativa e o papel dos conselheiros de administração. São dois casos extremos, mas que compartilham um elemento crucial: a necessidade de diligência prévia a ser feita pelos conselhos.

Não basta estar presente em reuniões e confiar cegamente na alta administração. Isso, no compliance, é definido como “cegueira deliberada”: acreditar cegamente no que é apresentado sem buscar outras fontes ou questionamentos. Escolhe-se ficar cego ante a determinadas situações. Conselheiros precisam atuar ativamente para não ficarem cegos por escolha e, com isso, evitar crises. Mas como? O que, de fato, deveria ter sido feito nesses casos?

Caso Brumadinho: falta de perguntas certas ou falta de diligência?

O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho foi um dos maiores desastres ambientais e humanos da história do Brasil. 272 pessoas morreram e a empresa sofreu danos bilionários. Mas o ponto aqui não é recontar a tragédia. O foco é outro: o conselho poderia ter evitado isso ou, ao menos, ter agido para colocar luz onde estava escuro?

O que um conselheiro deveria ter feito para ser diligente o suficiente?

  1. Questionar efetivamente os riscos das barragens: o conselho sabia que a estrutura estava sob risco crítico? Se sabia, quais providências tomou? Se não sabia, por que não? Era responsabilidade do conselho garantir que auditorias externas fossem levadas a sério e que relatórios técnicos não fossem apenas peças formais.
  2. Exigir planos concretos de mitigação: é comum que conselhos recebam apresentações otimistas da diretoria. Mas um conselheiro diligente não aceita a primeira resposta. No caso de Brumadinho, deveriam ter exigido prazos concretos para correção das falhas, testes reais de segurança, simulações de rompimento e planos de evacuação funcionais
  3. Ouvir fontes externas: conselhos que confiam apenas na diretoria executiva estão condenados a serem pegos de surpresa. Havia sinais externos sobre os riscos das barragens? Sim. Consultores independentes e denúncias já apontavam vulnerabilidades. Um conselho realmente diligente teria buscado informações além daquelas fornecidas internamente, por exemplo, exigindo laudos independentes.
  4. Criar uma cultura de transparência: quando diretores sabem que um conselho é passivo, não há incentivo para alertar sobre riscos. Por outro lado, se o conselho é ativo e exigente, a diretoria sempre os informa de tudo. Conselheiros precisam incentivar canais de denúncia, proteger whistleblowers e cobrar transparência interna.

O que fica evidente é que o conselho da Vale deveria ter sido mais proativo, e até a própria Vale afirmou isso posteriormente. Não se trata de dizer que foram omissos ou negligentes no sentido jurídico, mas sim de que não foram diligentes o suficiente para evitar a tragédia (e note-se que nem se sabe que se o CA adotasse outra forma de liderança se a tragédia teria sido evitada, mas sim o que se poderia ter sido feito). Pelo menos é o que se mostra até agora.

Caso Americanas: conselheiros foram enganados ou poderiam ter sido mais diligentes?

Se Brumadinho levou a um desastre ambiental e humano, a crise da Americanas foi um colapso financeiro e de governança. A empresa reportou um rombo contábil de R$ 25 bilhões, fruto de uma fraude que, segundo relatos, já acontecia há anos.

E aí surge a questão central: os conselheiros sabiam e nada fizeram ou foram simplesmente enganados?

Para um conselheiro, a resposta “não sabíamos” nunca é suficiente. O dever fiduciário de um conselheiro não é confiar, mas verificar. Ir até o limite da fiscalização. Atuar de forma diligente para ter acesso a todos os dados, a todos os documentos e até mesmo determinar perícias independentes.

O que deveria ter sido feito?

  1. Analisar os números com olhar crítico: conselheiros não precisam ser especialistas em contabilidade, mas precisam saber identificar inconsistências. Quando a empresa apresentava números de fluxo de caixa incompatíveis com seu endividamento, ninguém questionou? Conselheiros precisam se aprofundar nos relatórios financeiros e não apenas confiar no CFO e na auditoria e nem mesmo nos resultados positivos reais – devem saber o que levou até aqueles resultados até então maravilhosos.
  2. Desafiar a alta administração: conselheiros eficazes desafiam executivos, sempre. Perguntam: “como esse resultado foi obtido?”, “por que essa métrica está diferente do setor?”, “isso se sustenta no longo prazo?”. No caso da Americanas, parece que houve um excesso de confiança na diretoria executiva e pouca disposição para desafiar a narrativa interna.
  3. Buscar auditorias independentes de qualidade: se a auditoria interna ou externa não sinalizou problemas, o conselho poderia ter buscado segundas opiniões financeiras. A falta de auditorias robustas é sempre um alerta vermelho. Isso é complicado porque gera custos, bem sei, ainda mais porque no caso específico a auditoria externa era feita por empresas de renome mundial, duas delas chamadas Big4. E tem mais: a auditoria não tem o papel de investigar fraudes, mas sim o de validar os dados fornecidos pela empresa. Isso não exime o conselho de sua responsabilidade de analisar criticamente as informações e, se necessário, solicitar auditorias independentes ou investigações externas.
  4. Ficar atento a sinais de alerta no mercado: enquanto a empresa apresentava balanços “normais”, havia rumores no mercado financeiro sobre inconsistências. Conselheiros atentos deveriam ter levado isso a sério e pressionado a diretoria.

Ao analisar a crise da Americanas, fica claro que o conselho poderia ter sido mais diligente na análise contábil. Isso não significa que conselheiros foram cúmplices diretos da fraude e nem que fecharam os olhos para o que acontecia embaixo de seus narizes. Só quer dizer que deveriam ter sido mais proativos em papel de fiscalização.

Os Limites da Responsabilidade: Até Onde Um Conselheiro Deve Ir?

Os dois casos trazem a mesma reflexão: será que os conselheiros deveriam ter feito mais?

A resposta curta: sim.

A resposta longa: a responsabilidade de um conselheiro não é executar, mas garantir que a execução esteja sendo realizada de maneira correta. O papel do conselho não é operacional, mas estratégico. Isso significa:

  • Fazer as perguntas certas, antes da crise estourar.
  • Garantir que as respostas não sejam vagas ou genéricas.
  • Buscar opiniões independentes, sem confiar cegamente na diretoria.
  • Criar uma cultura de transparência, em que informações críticas chegam ao conselho sem filtros.

Muitos conselheiros podem enxergar a sua função como uma participação meramente passiva. Comparecem a reuniões, analisam relatórios prontos, solicitam outros e estudam todo o material. Muitos acreditam que isso basta. Mas basta mesmo? Os casos de Brumadinho e Americanas mostram que não.

A melhor defesa para um conselheiro é a diligência ativa. Se houver um problema e ele tiver feito tudo o que estava ao seu alcance, terá respaldo. Se não fez, a responsabilidade pode recair sobre ele.

Governança não é sobre estar presente. É sobre estar atento.

Conselhos Precisam Mudar Sua Mentalidade

Os erros cometidos nos casos Brumadinho e Americanas não são exceções. São reflexos de uma cultura corporativa onde conselhos ainda são vistos como “órgãos de validação” e não como agentes reais de fiscalização. E isso está errado e cabe aos próprios conselhos mudarem essa visão. Como? Exercendo seus papéis como devem ser: proativos.

Se a governança não mudar sua mentalidade, novas crises virão – e, mais uma vez, perguntaremos: os conselheiros fizeram o suficiente?

A resposta, no fim, será sempre determinada pelo grau de diligência que foi feito antes da crise. Não depois.

Conforme discutido na aula sobre Papéis e Responsabilidades dos Órgãos Colegiados da Board Academy, ministrada por Cris Reis, a proatividade nas atitudes dos conselhos é essencial para prevenir novas crises. Essa perspectiva prática nos convida a repensar o papel dos conselheiros na fiscalização e na criação de uma cultura de transparência e diligência prévia ativa na eficiência da governança corporativa.

Publicado em: 26 de fevereiro de 2025 por