Currículos Impressionam. Governança Sustenta.

Por: Dercio Carvalhêda 30 de abril de 2025

A composição de muitos conselhos ainda se baseia em títulos e reputações individuais. Mas governança é um jogo coletivo e exige mais do que nomes fortes. Sem equilíbrio entre perfis estratégicos, o risco de colapso é real.

Em resumo: ter uma visão do todo, aplicando as devidas habilidades e especialidades, com uma visão integrada do negócio.

Em 2024, a fusão entre @Arezzo&Co e @Grupo Soma desmoronou após disputas societárias e falhas claras de alinhamento estratégico — um exemplo real do que acontece quando a governança não integra visões e competências. Veja o caso aqui.

1. O erro comum na formação de conselhos

Muitas empresas, ao estruturar seus conselhos, focam quase exclusivamente em currículos impressionantes e especializações técnicas de ponta. A lógica parece simples: quanto mais expertise acumulada, melhor será o conselho.

Seria lógico se não fosse incompleto.

O erro está em esquecer que governança é atividade coletiva. Estratégia, risco, sucessão e inovação não se resolvem por decisões isoladas. É necessária a integração. Todas essas especialidades e a visão do todo, precisam conversar.

É aí que entram os necessários Nexialistas, também chamados de integradores.

Especialistas constroem paredes sólidas. Generalistas enxergam o terreno todo. Nexialistas constroem pontes que ligam tudo isso em uma direção só.

Grandes organizações não se fazem apenas de grandes especialistas. Fazem-se de sistemas vivos, conectados, com visão e integração.

E em tempos de ESG, transformação digital, diversidade e sucessão, esse equilíbrio se torna ainda mais crítico. A ausência de um desses perfis no conselho expõe a organização ao risco de decisões mal ancoradas, desarticuladas ou desconectadas da realidade.

É por isso que conselhos de alto desempenho precisam de algo além de títulos: precisam de composição intencional.

2. A tríade essencial: Generalistas, Especialistas e Nexialistas

Para que um conselho funcione de forma estratégica e resiliente, ele precisa reunir três perfis fundamentais:

  • Generalistas
  • Especialistas
  • Nexialistas

Pense como em uma batalha: Cada soldado cumpre uma função que o outro não substitui.

Generalistas planejam a guerra, enxergando o todo: terreno, inimigos e recursos.

Especialistas dominam habilidades específicas para dominar o campo.

Nexialistas coordenam os especialistas, adaptam o plano e lideram a integração.

3. As características de cada elemento da tríade

Generalistas:

  • Pensam de forma ampla e conectam múltiplas disciplinas.
  • Antecipam cenários com visão sistêmica e estratégica.
  • Transitam com naturalidade entre áreas diferentes, mesmo sem dominar cada técnica.
  • Transformam complexidade em direção — mesmo com pouca profundidade técnica.

Especialistas:

  • São referência técnica no que fazem.
  • Mergulham nos detalhes com precisão e consistência.
  • Antecipam riscos e propõem soluções robustas.
  • Sua autoridade vem da profundidade, não da amplitude.

Nexialistas:

  • Fazem áreas distintas se entenderem — e colaborarem.
  • Traduzem linguagens técnicas em decisões acessíveis.
  • Lideram com escuta, mediação e construção de sentido comum.
  • São o elo vivo entre estratégia, operação e cultura.

Para deixar clara a diferença entre generalistas e Nexialistas:

O generalista é quem entende o mapa inteiro — ele conecta pontos, analisa cenários e antecipa caminhos. Já o nexialista não apenas entende o mapa: ele caminha entre as trilhas, conecta viajantes, traduz sinais e garante que todos cheguem juntos ao destino. Um articula a visão ampla; o outro transforma essa visão em alinhamento real entre diferentes áreas e pessoas.

Se a organização fosse uma torre de Babel, o generalista olharia de cima e entenderia as línguas. O nexialista, por outro lado, desceria até o chão — e faria todos se entenderem.

PapelAtua sobre…Domina…Força central
GeneralistaContextos e cenáriosA lógica ampla entre áreasVisão estratégica transversal
EspecialistaUm campo específicoA técnica, o método, o detalhePrecisão e autoridade técnica
NexialistaRelações entre áreasA linguagem e a escuta ativaIntegração e mediação

4. Por que um conselho não pode ter só especialistas, só generalistas ou só nexialistas

Conselhos eficazes exigem a presença equilibrada dos três perfis.
A ausência de qualquer um deles compromete a eficiência estratégica:

  • Só especialistas:
    Produzem profundidade, mas perdem o todo. A visão fica fragmentada, o debate se torna técnico demais e a estratégia se dilui na execução.
  • Só generalistas:
    Enxergam o cenário, mas não sustentam os pilares. Sem profundidade técnica, correm risco de superficialidade e decisões com baixa sustentação.
  • Só nexialistas:
    Integram com maestria, mas sem generalistas para alimentar a visão ou especialistas para ancorar tecnicamente, ficam operando conexões vazias.

Um conselho com apenas dois desses três perfis é como uma mesa de três pernas faltando uma: pode se sustentar por um tempo, mas inevitavelmente cede sob pressão.

1. Especialistas + Generalistas (sem Nexialistas)

O que se tem:
✔ Profundidade técnica para avaliar riscos e oportunidades com precisão.
✔ Visão ampla e estratégica para antecipar cenários e conectar áreas.

O que falta:
✘ Tradução entre os dois mundos.
✘ Integração real entre técnica e estratégia — cada um fala sua língua.
✘ Mediação de conflitos ou ruídos operacionais.

Risco principal: decisões ficam travadas por falta de alinhamento entre a visão estratégica e a execução técnica.

2. Generalistas + Nexialistas (sem Especialistas)

O que se tem:
✔ Visão estratégica, articulação entre áreas e fluidez nas discussões.
✔ Comunicação eficiente e ambiente colaborativo.

O que falta:
✘ Base técnica sólida para validar riscos, limites e viabilidades.
✘ Profundidade analítica para decisões críticas em áreas-chave.
✘ Autoridade técnica para sustentar posições diante de pressões externas.

Risco principal: o conselho vira um espaço de boas ideias e integração, mas sem sustentação técnica real — um castelo de cartas.

3. Especialistas + Nexialistas (sem Generalistas)

O que se tem:
✔ Domínio técnico e operacional.
✔ Boa comunicação entre áreas e capacidade de mediação.

O que falta:
✘ Visão do todo, pensamento sistêmico e leitura de cenário.
✘ Capacidade de antecipar o futuro e direcionar o conselho estrategicamente.
✘ Conexão com o contexto externo, mercado e tendências.

Risco principal: o conselho funciona bem para o agora, mas falha em pensar o depois — reage, mas não lidera.

Governança eficiente nasce do equilíbrio — e da interação construtiva entre esses três perfis.

5. Pontos fracos.

Cada um desses perfis também tem seus pontos fracos, claro. Ninguém é perfeito.

Generalista: Falta de profundidade técnica

  • Pode subestimar riscos por desconhecer detalhes técnicos.
  • Corre risco de parecer “conceitual demais” ou superficial para especialistas.
  • Tem dificuldade em sustentar decisões quando confrontado com argumentos técnicos complexos.
  • Depende de especialistas para validar ou executar suas ideias.

Especialista: Visão fragmentada e foco excessivo no detalhe

  • Pode não enxergar o impacto sistêmico das decisões.
  • Costuma defender soluções dentro de sua área, com viés técnico.
  • Dificuldade de dialogar com áreas externas ou estratégicas.
  • Tendência a valorizar a perfeição técnica em detrimento da agilidade ou do pragmatismo.

Nexialista: Falta de conteúdo próprio (visão ou técnica)

  • Atua como elo entre outros, mas não é fonte primária nem de visão estratégica nem de profundidade técnica.
  • Se estiver sozinho com outros nexialistas, o diálogo flui, mas sem direção clara nem base sólida.
  • Pode ser visto como “político demais” se não houver entregas palpáveis.
  • Depende da qualidade dos outros dois perfis para brilhar.

 6. Como reconhecer cada perfil

Generalistas:

  • Reconhecidos pela curiosidade intelectual e pelas perguntas amplas.
  • Buscam entender o impacto de decisões em múltiplas áreas.

Especialistas:

  • Reconhecidos pelo domínio técnico sólido e precisão nas análises.
  • São referência em temas críticos do negócio.

Nexialistas:

  • Reconhecidos pela habilidade de traduzir, integrar e liderar em ambientes complexos.
  • Conseguem harmonizar visões distintas em estratégias únicas.

Importante: não existe o “superconselheiro”, o perfeito: cada ser humano tende naturalmente a desenvolver uma dessas competências como predominante.

O que importa é construir conselhos equilibrados — e desenvolver continuamente a integração entre os talentos.

7. Conselhos são como organismos vivos e não museus de currículos

A excelência de um conselho não está na soma dos títulos individuais. Está na capacidade real de construção integrada.

Governança moderna é inteligência coletiva. É diversidade de olhares, profundidade técnica e capacidade de articulação estratégica.

Formar conselhos com generalistas, especialistas e nexialistas é escolher conscientemente o caminho da resiliência, da inovação e da construção de valor sustentável.

Grandes organizações não se constroem apenas com o saber de cada um. Constroem-se com o saber de todos — integrado.

E mais: conselhos não precisam de super-heróis — precisam de pessoas dispostas a expandir suas próprias bordas.

Ser generalista não impede que se desenvolva profundidade técnica. Ser especialista não exclui a escuta integradora.

O futuro da governança está em conselheiros que compreendem seu papel e buscam evoluir continuamente para além dele.

Publicado em: 30 de abril de 2025 por