A responsabilidade de não mirar só no visível

Por: Dercio Carvalhêda 4 de junho de 2025

Você analisou tudo? Tem certeza disso?

O risco mora onde uma decisão parece certa demais, rápida demais, confortável demais.

Governança não serve para validar decisões. Governança existe para tensionar, ampliar, duvidar.

Quando uma organização decide algo com base em análises parciais — por mais corretas que pareçam isoladamente — ela abre espaço para erros sistêmicos. O uso final de um recurso, a intenção de uma política ou o impacto direto de uma ação são apenas fragmentos da realidade. A governança entra exatamente aí: para lembrar que o contexto importa mais do que o rótulo.

E para deixar isso claro, vamos falar de ESG, um pouco. Mais precisamente do E.

Um exemplo simples: Lavar um copo de vidro consome menos água tratada do que produzir um descartável. Qual é, então, a escolha mais sustentável?

Outro exemplo: Implementar uma política de diversidade sem ouvir quem historicamente foi excluído pode criar um documento bonito e uma empresa ainda mais desigual. Quem analisa o plano final e aprova sem mergulhar no processo com senso crítico, não está governando, está assinando sem ver.

Mais um exemplo: Nas investigações internas, isso também é evidente. Um relatório que foca na violação pontual, sem considerar o ambiente permissivo que sustentava aquela conduta, termina limpando a superfície e deixando a cultura suja.

E uma dúvida: Considere a cadeia produtiva completa. O que é mais sustentável, um carro elétrico ou um a combustão? Nem tenho ideia. A extração de lítio, cobalto e níquel é devastadora: consome milhares de litros de água por tonelada e destrói ecossistemas inteiros. E o descarte das baterias? Sem cadeia de reciclagem madura em escala global, a maioria das baterias será acumulada ou enterrada em algum lugar. Produzir e descartar um carro elétrico gera mais CO2 que um carro a combustão. Durante seu uso, a produção de gases de efeito estufa é bem menor (será mesmo? E se esse carro for abastecido com energia oriunda de usinas poluidoras?), mas a pergunta que faço, e que sinceramente não sei responder, é: essa até ausência de emissão de CO2 no uso, compensa a da cadeia inteira? Minha ideia não é ser contrário a essa tecnologia, pelo contrário. Minha ideia é dar exemplos de perguntas que incomodam, que a boa governança deve fazer sempre. Como eu não sei, repito, deixo com os especialistas isso. Quem sabe meu amigo Edison Almeida responda a essas questões?

Em todos esses casos, a questão que falta, e que a governança deve atentar, é: Estamos enxergando o todo ou só a parte que nos interessa?

Governança não é sobre definir o que é certo ou errado apenas com base no impacto final. É sobre entender o caminho completo até aquele impacto. É sobre analisar o processo, o ambiente, os incentivos e os silêncios. É sobre questionar o óbvio e desconfiar do consenso quando ele é confortável demais.

É por isso que uma governança eficaz incomoda, tensiona. E um sistema de governança maduro serve ao futuro da empresa.

A função da governança é garantir que decisões estratégicas sejam tomadas mesmo quando contrariar parece perigoso demais.

Porque o risco mais perigoso não é o que foi previsto e controlado. É aquele que foi ignorado porque parecia pequeno ou conveniente demais.

O maior erro de uma organização não está na decisão errada. Está na análise limitada que a precedeu.

Se a sua governança só enxerga o uso final, talvez ela esteja mirando no visível e acertando o invisível — e nem percebeu

Publicado em: 4 de junho de 2025 por