A investigação defensiva como prerrogativa é um marco para a advocacia criminal

Por: Dercio Carvalhêda 11 de dezembro de 2024

A proposta da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil de propor a inclusão da investigação defensiva como prerrogativa no Estatuto da Advocacia é um marco importante para a advocacia criminal no Brasil (CFOAB vai propor PL para incluir a investigação defensiva como prerrogativa no Estatuto da Advocacia). Trata-se de uma iniciativa que pode corrigir um desequilíbrio histórico no processo penal ao garantir à defesa equidade de armas com o Ministério Público na persecução penal e instrumentos mais eficazes para cumprir seu papel constitucional.

A investigação defensiva permite ao advogado ir além da atuação reativa. O defensor assume uma postura mais proativa na busca pela verdade. Por meio dela, se pode coletar provas, preservar evidências e acessar informações fundamentais para a construção de uma defesa técnica e eficaz. Apesar de já ser uma prática possível em alguns casos, a ausência de regulamentação legal limita sua aplicação e gera insegurança jurídica.

Com a regulamentação, a advocacia ganha mais força, o sistema de justiça se torna mais justo, e o devido processo legal é efetivamente garantido. Afinal, o equilíbrio entre defesa e acusação não é um privilégio para o advogado ou para os acusados em geral, mas um requisito essencial para um julgamento justo.

O que é Investigação Defensiva e por que ela importa?

A investigação defensiva é, em essência, a possibilidade de o advogado realizar diligências para produzir ou preservar elementos de prova que favoreçam seu cliente. Essas diligências podem incluir entrevistas com testemunhas, análises técnicas de documentos, perícias particulares e até inspeções em locais relacionados ao caso.

Por que isso é tão importante? Porque o processo penal, em muitos casos, ainda coloca a defesa em uma posição de desvantagem. Enquanto órgãos como o Ministério Público e as polícias têm acesso a ferramentas e prerrogativas amplas para investigar, a defesa deve se contentar em reagir às provas apresentadas pela acusação. Essa disparidade dificulta a busca pela verdade e, em última análise, compromete a justiça.

A investigação defensiva busca corrigir esse desequilíbrio, permitindo que a defesa participe ativamente da produção de provas de forma autônoma. Isso não só fortalece o contraditório, mas também reduz o risco de condenações injustas.

A proposta da OAB: um passo necessário

A iniciativa da OAB de incluir a investigação defensiva como prerrogativa no Estatuto da Advocacia é, acima de tudo, uma resposta a uma demanda legítima da classe e do sistema de justiça.

Hoje, muitos advogados já realizam investigações defensivas de maneira informal, sem o respaldo jurídico necessário, e enfrentam obstáculos que vão desde a resistência de autoridades até interpretações equivocadas sobre suas ações.

Com a regulamentação legal, o advogado terá um respaldo claro para exercer essa prerrogativa, sem receio de ultrapassar limites legais. Além disso, será possível ampliar o uso de ferramentas técnicas, como perícias independentes ou acesso a informações cruciais que muitas vezes são inacessíveis.

Essa mudança é um avanço para a advocacia e para o cidadão. É uma medida que beneficia o sistema de justiça como um todo, ao garantir decisões mais informadas e menos suscetíveis a erros.

Impactos práticos para a advocacia criminal

A regulamentação da investigação defensiva pode transformar significativamente a prática da advocacia criminal. Algumas mudanças práticas que podemos prever incluem:

1.        Coleta de provas no local do crime: com respaldo legal, os advogados poderão preservar evidências que, muitas vezes, são negligenciadas ou destruídas com o tempo.

2.        Entrevistas com testemunhas: essa possibilidade permitirá que os advogados obtenham informações diretamente das fontes, fora do ambiente processual, o que pode mudar completamente o rumo de um caso.

3.        Perícias particulares: a contratação de peritos independentes permitirá à defesa questionar ou complementar laudos apresentados pela acusação, garantindo uma análise técnica mais confiável.

4.        Acesso a documentos e informações: o advogado poderá solicitar documentos diretamente de empresas, órgãos públicos e outras fontes relevantes, tornando o processo mais ágil e efetivo.

Com essas ferramentas, a defesa deixa de ser um espectador no processo penal e assume um papel ativo na busca pela verdade.

Exemplo Internacional: O Caso de Curtis Flowers

Casos internacionais mostram como a investigação defensiva pode ser decisiva. Um exemplo emblemático é o caso de Curtis Flowers, nos Estados Unidos. Flowers foi julgado seis vezes pelo assassinato de quatro pessoas no Mississippi, em 1996, em um processo marcado por depoimentos frágeis e viés racial.

A atuação de investigadores defensivos contratados pela defesa revelou coerção de testemunhas pela acusação e mostrou que o promotor havia sistematicamente excluído jurados negros nos julgamentos. Essas descobertas culminaram na anulação da condenação de Flowers pela Suprema Corte dos Estados Unidos, em 2019. Após passar mais de 20 anos preso, ele foi libertado.

Esse exemplo evidencia como a investigação defensiva pode ser uma ferramenta poderosa para equilibrar forças no processo penal e corrigir erros judiciais.

Por que resistir? Reflexões sobre desafios

É previsível que a proposta enfrente resistência de alguns setores, como o Ministério Público e as polícias. No entanto, essa resistência não se justifica. A investigação defensiva não retira prerrogativas nem interfere nas atribuições desses órgãos. Pelo contrário, ela complementa o trabalho já realizado, trazendo novos elementos ao processo e contribuindo para a busca pela verdade.

É importante reconhecer que, assim como em qualquer outra área do direito, podem surgir questionamentos sobre possíveis abusos. Mas isso não é razão para rejeitar a regulamentação. Assim como existem limites éticos e legais para a atuação do Ministério Público e da polícia, a investigação defensiva também pode e deve ser normatizada para garantir sua aplicação responsável e legítima.

Conclusão

A inclusão da investigação defensiva como prerrogativa no Estatuto da Advocacia não é apenas uma reivindicação da classe, é uma necessidade do sistema de justiça. Trata-se de uma evolução que fortalece a ampla defesa, valoriza o contraditório e promove um processo penal mais justo e equilibrado.

Essa proposta não enfraquece nenhum dos atores do sistema. Pelo contrário, ela enriquece o processo ao permitir que a defesa atue de forma ativa e técnica, contribuindo para decisões mais fundamentadas e menos sujeitas a erros.

O próximo passo é enfrentar as resistências com diálogo e clareza, demonstrando que essa mudança beneficia não apenas os advogados, mas toda a sociedade. Afinal, o objetivo final de um processo penal justo não é condenar ou absolver, mas alcançar a verdade.

Publicado em: 11 de dezembro de 2024 por