A governança é grande protetora da instituição e a sua arma é o compliance

Por: Dercio Carvalhêda 24 de fevereiro de 2025

Todas as instituições recebem ataques de todos os lados, independente do setor que atuam.

Os riscos externos costumam ser mais visíveis e, embora complexos, são relativamente fáceis de identificar e combater. As organizações tendem a monitorar de forma eficiente o mercado, concorrência, mudanças regulatórias, crises econômicas e fatores políticos. Para isso, utilizam métodos consagrados como análise PESTEL, matriz SWOT e inteligência competitiva. Relatórios como os do World Economic Forum (WEF) sobre riscos globais demonstram que ameaças externas são amplamente analisadas por empresas e governos.

Já os riscos internos podem permanecer ocultos por mais tempo e só são detectáveis com uma estrutura de governança sólida e bem implementada. Os maiores escândalos corporativos, como Enron, Volkswagen (Dieselgate) e Wells Fargo, ocorreram devido a riscos internos que não foram identificados a tempo. Falhas em controles internos, governança fraca e cultura organizacional tóxica dificultam a detecção desses riscos sem um monitoramento contínuo. Como amplamente reconhecido, o COSO ERM (Enterprise Risk Management) e os Princípios da OECD de Governança Corporativa reforçam que riscos internos exigem uma governança estruturada e análise constante para serem mitigados.

A governança, centrada na atuação dos conselhos, é responsável por definir as estratégias de defesa contra esses riscos. Modelos como o Three Lines Model (ex-Three Lines of Defense ou “as três linhas de defesa”) demonstram que a integração entre gestão, compliance e auditoria interna é fundamental para a identificação e mitigação de riscos internos.

E tudo começa quando os conselhos estabelecem os valores e princípios da organização, selecionam uma diretoria alinhada a esses fundamentos, cobram sua implementação e fiscalizam continuamente se tudo está sendo executado conforme planejado.

Em suma, o Conselho, como um arquiteto organizacional, desempenha um papel fundamental na proteção das organizações contra riscos financeiros, estratégicos e reputacionais. Assim como uma muralha bem construída protege um edifício de ataques externos, um conselho estruturado e atuante resguarda a empresa de decisões equivocadas, fraudes e falhas de conformidade.

Na última aula do PFCC da Board Academy Br, conduzida pela excelente Kecy Kohler Ceccato, analisamos como o conselho deve ir além da deliberação estratégica e assumir um papel ativo na construção da cultura organizacional e da governança. A aula destacou a importância do conselho na supervisão do compliance como ferramenta essencial para a proteção das instituições.

Para ilustrar o papel do conselho na proteção das instituições, podemos recorrer à metáfora de um muro de defesa. Assim como uma muralha sólida se baseia em alicerces, colunas, tijolos e argamassa, a governança eficaz também depende de elementos estruturantes que garantam sua solidez e resiliência.

Vamos a eles?

O Alicerce da Muralha: Valores e Cultura Organizacional

Nenhuma estrutura se sustenta sem um alicerce sólido. Para a nossa analogia, esse alicerce são os valores da empresa. Quando bem definidos e incorporados à cultura organizacional, eles orientam as decisões estratégicas e garantem que a ética e a transparência sejam a base de todas as operações.

Empresas com governança forte estabelecem seus valores de forma clara e criam mecanismos para reforçá-los a todo o tempo: não basta construir, é necessário manter.

Cabe aos conselhos definirem quais são esses valores e a cultura organizacional da instituição. Cabe à alta direção colocá-la em prática.

O conselho, com apoio da alta administração e por meio de supervisão ativa, deve garantir que a cultura ética esteja presente em todos os níveis da organização, assegurando a adesão aos princípios e valores estabelecidos.

As Colunas de Sustentação: O Papel Ativo do Conselho

Na governança, a alta administração e o conselho atuam como as colunas que sustentam a estrutura de integridade da empresa. Para isso, é essencial que o conselho:

  • Dê o tom certo (tone at the top) para a alta administração, exigindo e fiscalizando que ela lidere através de atitudes corretas e pelo exemplo. Isso reforça o compromisso com a ética e com a conformidade.
  • Supervisione e cobre da alta administração a implementação de políticas efetivas, garantindo que saiam do papel e sejam aplicadas na prática.
  • Monitore riscos emergentes e exija que a alta administração adote atualizações constantes nos mapas de riscos e oportunidades.

A inércia do conselho pode fragilizar toda a estrutura, deixando brechas para crises de governança, escândalos e impactos financeiros severos. O Código das Melhores Práticas de Governança do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa enfatiza que o conselho deve atuar de maneira ativa e diligente para mitigar esses riscos.

Dessa primeira parte se depreende o porquê é extremante importante que o conselho indique uma alta direção alinhada aos valores estabelecidos. E veja bem: alinhamento de valores é muito mais que ser ético, que é obrigatório. Alinhamento de valores significa que a alta administração deve comungar e externar os mesmos princípios e valores da instituição.

Os Tijolos da Proteção: Controles e Compliance na Prática

Uma muralha sólida é construída com tijolos bem-posicionados e interligados. No ambiente corporativo, esses “tijolos” são os mecanismos de governança e compliance, como:

Gestão de riscos estruturada, que identifica e mitiga ameaças antes que se tornem crises.

Canais de denúncia e investigações internas, que garantem transparência e resposta ágil a irregularidades e à identificação de lacunas nos controles.

Auditorias e monitoramento contínuo, para assegurar que os controles estabelecidos estejam funcionando na prática.

Nenhum desses elementos, por si só, garante a proteção da organização. A eficácia da governança depende da integração entre os controles internos, compliance e a supervisão do conselho, garantindo uma estrutura coesa e eficaz.

A Argamassa da Governança: Revisão Contínua e Evolução

A governança não pode ser estática, ela sempre evolui. Assim como uma muralha exige manutenção para se manter firme ao longo do tempo, o sistema de defesa de compliance da empresa precisa ser constantemente revisado e atualizado. Novos riscos surgem, outros desaparecem e, então, essa atualização deve ser constante.

A avaliação periódica de riscos e controles internos é essencial para que a governança acompanhe as mudanças no mercado, nas regulamentações e nos modelos de negócios. Conselhos que não revisam suas práticas regularmente acabam construindo defesas obsoletas, vulneráveis a novas ameaças.

Não à toa esse elemento é a argamassa que mantém tudo unido. A argamassa é uma “cola” mais maleável e adaptável que o restante da estrutura. E deve ser assim: deve se amoldar conforme os riscos externos agem, de forma a manter tudo unido. Um muro em que a argamassa é rígida e não “trabalha” conforme o ambiente, desaba com o tempo. O mesmo ocorre com a governança: sem uma revisão periódica dos riscos, os controles perdem a eficácia e a organização se torna vulnerável.

O Conselho é o guardião da governança

O papel do conselho vai muito além da deliberação de grandes decisões estratégicas. Ele é, também, o garantidor de que a alta administração mantenha a integridade e a perenidade da organização e o seu fiscalizador.

Para que cumpra essa função de maneira eficaz, é essencial que:

✅ Atue proativamente na supervisão da cultura organizacional e da ética empresarial.

✅ Fortaleça os mecanismos que junte, efetivamente, o compliance na governança, para uma estrutura de defesa integrada.

✅ Fiscalize a avaliação periódica de riscos, controles e estratégias para evitar vulnerabilidades.

Como discutimos no Board Academy, o conselho tem um papel intransferível na governança corporativa. A liderança na supervisão do compliance e dos riscos estratégicos é essencial para garantir que a empresa esteja preparada para desafios internos e externos, promovendo integridade e perenidade organizacional.

Publicado em: 24 de fevereiro de 2025 por